segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sumiço...

Querid@s,
Desculpem o sumiço... meu computador deu problema - novamente.

Até tudo se ajeitar, vou ficar sumida... só uns dias :) prometo!
Volto logo e respondo tudo direitinho.

Beijo grandão!

Jenifer

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

"passeias onde não ando, andas sem eu te encontrar..."

(19.) Percorro o seu corpo, declives e aclives, por meio desta minha fala tão assim. O som das minhas mãos percorrendo você, e eu sendo mordido pelo seu olhar, atraído por reentrâncias de coisas concretas. Mesmo o som de minhas mãos caminhando suas partes é agora som de palavras. Dessas palavras mesmas que, agora, tentando enformar o vazio, darão eixo à carta - sim, a tal carta. A carta que você tanto me pediu, uma carta em que finalmente eu fale de mim e só de mim, sem o meu escorregadio jeito de lidar com as palavras e com a vida, conforme você mesma disse. Mas a coisa é ainda menos. Há tempos que não sei onde você, onde essa carta para mim sempre algo impossível. É. Parece que você, ainda que ausente, não perdeu o hábito insuportável de estar com a razão, sua razão assertiva, tão sua e tão cheia de olhos. Essa é uma carta impossível em si mesma, porque a coisa que menos sei dizer sou eu, coisa sempre agora, coisa olhada ao mesmo tempo que olha. É uma carta impossível em si mesma porque sem destino e sem destinatário.

Wesley Peres, in: Casa entre Vértebras. Ed. Record

Definição do amor

Isabel de Sá
Desmaiar-se, atrever-se, estar furioso,
áspero, terno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, defunto, vivo,
leal, traidor, covarde e valoroso;

não ver, fora do bem, centro e repouso,
mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,
enfadado, valente, fugitivo,
satisfeito, ofendido, receoso;

furtar o rosto ao claro desengano,
beber veneno qual o licor suave,
esquecer o proveito, amar o dano;

acreditar que o céu no inferno cabe,
doar sua vida e alma a um desengano,
isto é amor; quem provou bem sabe.

Lope de Vega, in: Poetas do Século de Ouro Espanhol - Edição Bilíngue

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

(20.)

Tão em partes é a-você a quem me envio em forma de coisa ausente que... é como se eu tivesse que constituir você, como se toda a minha fala fosse um esforço pra constituir você. Você é a quem envio os meus buracos. Mas há o seu corpo impresso no que de mim nem sei, a sua voz, o real de seu inoculando vertigem no som sem substância desta voz que agora sou. Isso me salva de ser só esta voz, me salva (da salvação) de crer que o barro do vaso é mais importante do que o seu vazio, ou de que o vazio é mais importante do que o barro. E me salva ainda da crença a que, no desespero, eu poderia recorrer, a de alguma simetria entre palavra e vida. A disjunção entre o corpo e as palavras inventa as perguntas que somos.

Wesley Peres, in: Casa entre Vértebras. Ed. Record

O arfar do mistério

Alaya Gadeh
Você deve juntar todas as forças e malas vazias para poder partir em direção ao mistério. Parecerá desmesura de encanto, mas aprende-se que é mais doloroso. Todo mergulho traz consigo o bater seco na água. O afundar, o sufoco.
Um segredo na pressão nos ouvidos, o peito contraído e um quase morrer. Um quase morrer... de coração que se esmaga entre dedos.
Quanto mais fundo, mais apertado. Quanto mais mistério, mais despedaço.

Esse triz de privar o sopro terminando com o soco do fundo. Já sem peito e sem ar, o chão. Um agachar que arremessa a volta. Todos os nervos já estreitados e o buscar louco pelo novo fôlego.
É na subida que te pega o sortilégio: pouca força nas pernas, já não há tona.

Samantha Abreu

domingo, 21 de agosto de 2011


)Tudo é segredo.
O teu amor, amiga, é meu segredo:
sabes de mim o que nem mesmo sei.

Amar é ter histórias jamais ditas.(

Antonio Brasileiro, in: O Anjo no Bar

XLIII

a luz da tua

boca,

o teu canto,

refrata tanto

em

meu corpo

(fratura)


que chego a

pensar:

"tenho ossos de vidro".

Marceli Andresa Becker, in: Do Meu Caderno de Experimentações

sábado, 20 de agosto de 2011

em 17 de maio 1949

Viver assim não é viver - podemos sofrer da carência de algumas coisas, mas não dos fatores vitais que nos animam. Falta-me tudo, a paz, a inspiração, a vontade de continuar... Alguma coisa está AUSENTE de mim. Sinto, caminhando em ruas cheias de gente e densas de um frenético fervor pela vida, que sou apenas um grande vazio sem motivo.

Para mim, a existência escorre como se eu contemplasse seu espetáculo através de vidraças baixadas.

Lúcio Cardoso, in: Diário Completo. Ed. José Olympio

Campos verdes

Sobre o campo verde,
ondas de prata.

Andava-se, andava-se...
Sobre o verde campo,
sempre outras águas.

Sobre o campo verde,
paciente barco.

Errava-se, errava-se...
Sobre o verde campo,
sempre outro espaço.

Sobre o campo verde,
todas as cartas.

Armava-se, armava-se...
Sobre o verde campo,
sempre o ás de espadas.

Sobre o campo verde,
qualquer palavra.

Olhava-se, olhava-se...
Ai! sobre o verde campo,
mais nada.

Cecília Meireles, in: Vaga Música / Antologia Poética. Ed. Nova Fronteira

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Irisz Agocs

Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens.
E algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.

Manoel de Barros, in: Exercícios de Ser Criança. Ed. Salamandra

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Estudo 204

Vejo o vento que sopra nas árvores
e estou aqui.
Há uma sensação de paz antiga
no vento que sopra nas árvores.

(Vou plantar esperanças no quintal
e decidir o que farei com a vida -
com esta e com a outra)

Estou aqui e o mundo está aqui.
Olho as folhas movendo-se nas árvores
e alguma coisa silenciando no coração.

Antonio Brasileiro, in: A Pura Mentira

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

III

árvores nuas
vento e vazio
cabelo em chamas.

Luci Collin, in: Diário da Parede Branca

I

aqui onde estava
a cor da flor
já não


todo cálculo
começa sempre
no
zero.

Luci Collin, in: Diário da Parede Branca

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Mônica Palhares
Calmos passantes
por ruas calmas.

Fala-se de pássaros
e elegância.

Ah, poesia,
por que não paras

de inventar?

***
Há fuligem do mundo
no gramado.

Antonio Brasileiro, in: A Fuligem do Mundo

domingo, 14 de agosto de 2011

Quase decálogo do amor

Klimt
O amor é vermelho e tem medo de perder.
e se preocupa com cartas não respondidas
com o silêncio do telefone,
e a falta da palavra meuamor
O amor é feito de ausências e dependências
de encontros desmarcados e acertos
de memória e corpo

Se está longe, o amor deseja estar perto
se está perto, não sabe o que fazer com as mãos
nem com as palavras
Em geral, o amor perde tempo na repetição de tudo:
do verbo ao toque
E porque sabe que é feito de finais
o amor nunca começa
ou se perde no momento em que inicia

O amor vicia.

Suzana Vargas

sábado, 13 de agosto de 2011

O que prevalece agora

O que prevalece agora é essa maneira nova de sentir a vida. Essa perspectiva que me faz admirar, incansáveis vezes, antigas preciosidades. Essa vontade de bendizer tantas maravilhas. Esse sentimento de gratidão pelas coisas mais simples que existem. Esse canal que escolho assistir com mais frequência. Esse jeito mais amigo de ouvir meu coração. O que prevalece agora é essa apreciação mais desperta, que me permite reinaugurar flores e céus e pessoas no meu olhar. Essa graça que encontro, de graça, nos detalhes mais singelos. Essa vontade de contribuir. Esse desejo de brincar de roda.

O que prevalece, agora, é a confortável suposição de que, por trás de tantas e habituais nuvens, esse contentamento faz parte da nossa natureza perene.

Os problemas, os desafios, as limitações, não deixaram de existir. Deixaram apenas de ocupar o espaço todo.

Ana Jácomo

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Os sonhos de Helena

Irisz Agocs
Naquela noite, os sonhos faziam fila, querendo ser sonhados, mas Helena não podia sonhá-los todos, não dava. Um dos sonhos, desconhecido, se recomendava:
— Sonhe-me, vale a pena. Sonhe-me, que vai gostar. Faziam fila alguns sonhos novos, jamais sonhados, mas Helena reconhecia o sonho bobo, que sempre voltava, esse chato, e outros sonhos cômicos ou sombrios que eram velhos conhecidos de suas noites voadoras.

Eduardo Galeano, in: O Livro dos Abraços. Tradução de Eric Nepomuceno. Ed. L&PM

Tristeza no céu

No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.

Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.

Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.

Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.

Carlos Drummond de Andrade, in: José. Ed. Record

terça-feira, 9 de agosto de 2011

anotações de Junho - 1949

Tudo o que sentimentos é verdade? Grandes correntes nos atravessam, de ideias contraditórias e sentimentos bizarros - mas que é duradouro, existente e exprime com autenticidade a realidade viva do nosso ser? Ou talvez não sejamos o que é permanente senão por um esforço lúcido da vontade; nossa certeza é, ao contrário do que imaginamos, apenas o que é indeterminado e sem raízes fixas no tempo.

Lúcio Cardoso, in: Diário Completo. Ed. José Olympio

Agosto (Diário de Penedo)

Adoro o campo, e ele me causa certa angústia: o vazio, sua existência e enorme e singular, independente da presença humana. Uma energia arbitrária e azul sacode a terra e ergue as árvores vitoriosas no fundo do horizonte. Ah, como a humanidade me interessa, suas intrigas e suas vozes... Quando, meu Deus, quando poderei suportar de coração leve um alheamento como este?

Lúcio Cardoso, in: Diário Completo. Ed. José Olympio

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Permanência

Agora me lembra um, antes me lembrava outro.

Dia virá em que nenhum será lembrado.

Então no mesmo esquecimento se fundirão.
Mais uma vez a carne unida, e as bodas
cumprindo-se em si mesmas, como ontem e sempre.

Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
(já começara, antes de ser), e somos eternos,
fragéis, nebulosos, tartamudos, frustados: eternos.
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
ou nunca fomos, é contudo arde em nós
à maneira de chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão.

Carlos Drummond de Andrade, in: Claro Enigma. Ed. Record

Conclusão

Salvador Dali
Os impactos de amor não são poesia
(tentaram ser: aspiração noturna).
A memória infantil e o outono pobre
vazam no verso de nossa urna diurna.

Que é poesia, o belo? Não é poesia,
e o que não é poesia não tem fala.
Nem o mistério em si nem velhos nomes
poesia são: coxa, fúria, cabala.

Então, desanimamos. Adeus, tudo!
A mala pronta, o corpo desprendido,
resta a alegria de estar só, e mudo.

De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?

Carlos Drummond de Andrade, in: Fazendeiro do Ar. Ed. José Olympio

domingo, 7 de agosto de 2011

Geografia

Na chapada tudo é grande. O céu só termina quando o seu olhar desiste, ou quando a miopia te vence. Caminhe o dia inteiro e confira no mapa: você só cobriu o espaço que basta ao seu cansaço. A chapada desafia os músculos, a garrafa d'água, a máquina fotográfica. O ar é demais e dói, ressecando seu fôlego neste junho marrom. Mas água do rio Preto é preta e transparente e seus pés não encontram fundo para o medo do mergulho. Sua voz não encontra timbre para o grito. Ao sublime inquieto do céu, seu pensamento é supérfluo. Mesmo sua vida é supérflua.

O céu do cerrado desdenha das testemunhas e o sol se põe, metamorfose, catarse azul e amarela nas araras-canindé. Alguém disse que as montanhas aqui são para dentro. Você caiu na barriga do mundo, onde se desfaz tão rapidamente quanto qualquer alimento. A pele queima, a noite é fria, e as estrelas pulsam toda a galáxia insone enquanto você morre mais uma vez.

Na chapada tudo é pequeno. Em meio metro de rio os peixes beliscam seus pés e as bolhas dentro d'água duram um segundo. A correnteza espelha trezentos minúsculos sóis. Trezentos milhões. Cor-de-rosa pela manhã, ao meio-dia as mimosas já são brancas. A poeira tem asas e agarra seu cabelo e nenhum branco das suas roupas dura mais do que cinco minutos. Mínimos vales lunares feitos de pedra e areia cabem entre dois passos. Na chapada você tem o tamanho dos seus olhos e da sua irrisória capacidade de assombro. Na chapada aquilo que te assombra é também o milagroso espaço de uma flor. De um inseto. Do animal que é só pegada e vestígio. No dolorido músculo da perna você encontra sua alma, que palpita, que inverte o cerco, que nasce mais uma vez.

Adriana Lisboa, in: Caligrafias. Ed. Rocco

sábado, 6 de agosto de 2011

Lilya Corneli
Desde que nasci, comigo:
Tempo-Morte.
Procurar-te
É estar montado sobre um leopardo
E tentar caçá-lo.

Minha tua garra.
Teu matiz de dentro.
Tua lanhada.
Nossa companhia.
Passo de luz e negro.
Dentes. Arcada.

Dois nítidos
À caça de um Nada.

Hilda Hilst, in: Da Morte: Odes Mínimas. Ed. Globo

Mau despertar

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.

Ferreira Gullar - Agosto de 1997

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Tanto de mim, por aí...
concreto e jazz.
Memórias do tempo
almas penadas no quintal
desenhos do sol depois da chuva que caiu
um esboço de poema no papel de pão
e o anel que tu me deste que era vidro e se quebrou...

Tanto de mim por aí
E a mesma solidão me acompanha
Me encharca a alma
com lágrimas que me enferrujam e ninguém vê.

Fatima Reis

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A função do leitor/1

Erika Kuhn
Quando Lúcia Peláez era pequena, leu um romance escondida. Leu aos pedaços, noite após noite, ocultando o livro debaixo do travesseiro. Lúcia tinha roubado o romance da biblioteca de cedro onde seu tio guardava os livros preferidos. Muito caminhou Lúcia, enquanto passavam-se os anos. Na busca de fantasmas caminhou pelos rochedos sobre o rio Antióquia, e na busca de gente caminhou pelas ruas das cidades violentas.
Muito caminhou Lúcia, e ao longo de seu caminhar ia sempre acompanhada pelos ecos daquelas vozes distantes que ela tinha escutado, com seus olhos, na infância.

Lúcia não tornou a ler aquele livro. Não o reconheceria mais. O livro cresceu tanto dentro dela que agora é outro, agora é dela.

Eduardo Galeano, in: O Livro dos Abraços. Tradução de Eric Nepomuceno. Ed. L&PM

A função da arte/1

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar!

Eduardo Galeano, in: O Livro dos Abraços. Tradução de Eric Nepomuceno. Ed. L&PM

terça-feira, 2 de agosto de 2011

em 15 de setembro de 1949 - diário I


Sim, é tempo. Se tenho de existir, é pelo esforço da minha atenção. Lúcido e calmo, devo olhar o que se desprende de mim como fragmentos abandonados de uma figura que se esculpe. Agora vejo os meus contornos. Os meus vazios, é o que reconquistei até agora. De ausências é que me formo. Revejo-me no espelho imenso da minha desolação - mas é assim de pedra que me quero.

Lúcio Cardoso, in: Diário Completo. Ed. José Olympio

em 11 de setembro de 1949 - diário I


Sempre o mesmo ponto por onde tudo fracassa - como uma roda dentada que girasse com um defeito no mesmo lugar. Impossível não se romper um dia...

Lúcio Cardoso, in: Diário Completo. Ed. José Olympio

em 26 de agosto de 1949 - diário I

Ah, o amor que não sabe ter calma e não conhece nenhuma espécie de repouso - antes é uma espécie de febre constante e lúcida. Com o correr do tempo transforma-se numa obsessão sem fundo, um estado agudo, delirante - e que é próprio daqueles que conhecem o nada em que se esfumam todos os sentimentos.

Lúcio Cardoso, in: Diário Completo. Ed. José Olympio