sábado, 30 de abril de 2011
Euteamo e suas estréias
Te amo mais uma vez esta noite
talvez nunca tenha cometido “euteamo”
assim tantas seguidas vezes, mal cabendo no fato
e no parco dos dias.
Não importa, importa é a alegria límpida
de poder deslocar o “Eu te amo”
de um único definitivo dia
que parece bastá-lo como juramento
e cuja repetição, parece maculá-lo ou duvidá-lo...
Qual nada!
Pois que o euteamo é da dinâmica dos dias
É do melhoramento do amor
É do avanço dele
É verbo de consistência
É conjugação de alquimia
É do departamento das coisas eternas
que se repetem variadas e iguais todos os dias
na fartura das rotações e seus relógios de colmeias
no ciclo das noites e na eternidade das estréias:
O sol se aurora e se põe com exuberância comum e com
novidade diária
e aí dizemos em espanto bom: Que dia lindo!
E é! Porque só aquele dia lindo
é lindo como aquele.
Nossa sede, por mais primitiva,
é sempre uma
loucura da falta inédita
até o paraíso da água nova
no deserto da nova goela.
Ela, a água,
a transparente obviedade que
habita nosso corpo
e nos exige reposição cujo modo é o
prazer.
Vê: tudo em nós comemora
o novo milenar de si
todas as horas:
Comer é novidade
Dormir é novidade
Doer é novidade
Sorrir é novidade
Maravilhosa repetitiva verdade que se
expõe em cachos a nosso dispor
variando em sabor e temor e glória
Por isso te amo agora como nunca antes
Porque quando te amei ontem
eu te amava naquele tempo
e sou hoje o gerúndio daquela disposição de verbo
Te amo hoje com você dentro
embora sem você perto
Te amo em viagem
portanto em viragem diferente da que quando
estava perto
Meu certo é alto, forte
Te amo como nunca amei
você longe, meu continente, meu rei
Eu te amo quantas vezes for sentido
e só nesse motivo é que te amarei.
Elisa Lucinda, in: Da série: Eternidades Cotidianas
sexta-feira, 29 de abril de 2011
quinta-feira, 28 de abril de 2011
quarta-feira, 27 de abril de 2011
terça-feira, 26 de abril de 2011
anjo
Lágrimas de anjo viram jujubas. Vermelhas, as de paixão. Que são as mais saborosas, apesar de mancharem o travesseiro. Nosso anjo viu os olhos azuis de uma anja e neles encontrou o reflexo d'Ele. Antes que me pergunte, anjos trepam. Anjos não têm sexo. Mesmo assim, fazem. Amor de anjo é puro, mas o caminho para Vênus anda cheio de meteoritos que machucam as asas. No depois, não fumam. Balançam os pezinhos, e agitam os bracinhos, e assim fazem aquela brisa que sentimos no começo da manhã. Toda brisa que bate no rosto das gentes numa manhã de sol é orgasmo de anjo. Sorria para as brisas! Mas nosso anjo, sempre um tanto quanto desbocado, ensaca jujubas roxas. "Merda!". Jujubas roxas são lágrimas que anjos derramam quando sentem saudades.
André Gonçalves, in: Coisas de Amor Largadas na Noite. Ed. Ideias Inc.
segunda-feira, 25 de abril de 2011
Distância
A vida que insiste em ser vida, quando o meu corpo se tornou uma sala de espera. A vida que exige que eu tome decisões práticas. As contas. O trabalho que paga as contas. A viagem. O trabalho que paga a viagem e as contas. A poeira que se acumula; a ferrugem que entranha; o corpo sala de espera. Os dias que são mais desafios do que triunfos. Acordar. Essa luz que me agarra com seus braços invisíveis de luz. Essa luz que me obriga a ser. Não tenho opção. Abandono o meu querer de criança. Enquanto, diante dos seus olhos, a estrada se abre. A estrada que te leva. E que me faz ser menos, quando você é tanto.
Daniela Lima
Daniela Lima
... no desalinho triste das minhas emoções confusas ...
Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida. Desenrola-se me na alma desatenta esta paisagem de abdicações - áleas de gestos abandonados, canteiros altos de sonhos nem sequer bem sonhados, inconsequências, como muros de buxo dividindo caminhos vazios, suposições, como velhos tanques sem repuxo vivo, tudo se emaranha e se visualiza pobre no desalinho triste de minhas sensações confusas.
Fernando Pessoa, in: O Livro do Desassossego. Ed. Companhia das Letras
Fernando Pessoa, in: O Livro do Desassossego. Ed. Companhia das Letras
domingo, 24 de abril de 2011
sábado, 23 de abril de 2011
Porque há algo que eu quero te dizer,
Margarida Delgado
algo que ficou pela metade, a casa vazia ou a frase incompleta ou alguma reticência, como se as reticências pudessem significar alguma coisa, ou talvez porque as reticências signifiquem o que a gente quiser. Porque há algo que ficou pela metade. Algo que vem depois. Porque há coisas que demoram a existir. E que é necessário repetir, uma e outra vez.
Carola Saavedra, in: Flores Azuis. Ed. Companhia das Letras
Carola Saavedra, in: Flores Azuis. Ed. Companhia das Letras
E foi duro. Doeu. Doidamente.
Blue Valentine
[...] Eu chorei também, disse que tudo talvez fosse passageiro, que continuaríamos amigos, ajudando um ao outro, que ainda nos veríamos muitas vezes, que ainda daríamos muitas risadas juntos [...], enquanto lágrimas saltavam molhando meus óculos, fazendo garças voarem no pântano turvo que se formou diante de meus olhos.
Saí arrebentado.
Cheguei ao hotel arrebentado.
Passei o dia arrebentado.
Cheguei ao hotel arrebentado.
Passei o dia arrebentado.
Marcelo Backes, in: Três Traidores e Uns Outros. Ed. Record
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Buquê de presságios
o que significa. O que
não interessa. De tudo,
quem sabe fique, fique aquilo
que passa. Um gerânio
de aflição. Um gosto
de obturação na boca.
Você de cabelo molhado
saindo do banho.
Uma piada. Um provérbio.
Um buquê de presságios.
Sons de gotas na torneira da pia.
Tranqueiras líricas na velha caixa de sapato.
De tudo, talvez, restem
bêbadas anotações
no guardanapo.
E aquela música linda
que nunca toca no rádio.
Marcelo Montenegro
não interessa. De tudo,
quem sabe fique, fique aquilo
que passa. Um gerânio
de aflição. Um gosto
de obturação na boca.
Você de cabelo molhado
saindo do banho.
Uma piada. Um provérbio.
Um buquê de presságios.
Sons de gotas na torneira da pia.
Tranqueiras líricas na velha caixa de sapato.
De tudo, talvez, restem
bêbadas anotações
no guardanapo.
E aquela música linda
que nunca toca no rádio.
Marcelo Montenegro
quinta-feira, 21 de abril de 2011
quarta-feira, 20 de abril de 2011
ausente
A poesia dorme.
Nem pesadelo nem doce sonho.
Bateu um vento
bem no meio de um porquê.
Petrifiquei bem aí.
Não teve um fator paralisante.
Só um não ter para onde ir.
Ninguém me acalma
ou preocupa nesse instante.
Nem é o nada quem me abraça,
ele não faria tanto por mim.
É só um não sentir.
Guardei tudo o que não consigo lidar em caixas e estoquei.
Estou bem no meio de um grande armazém.
O motivo pediu conta e foi surfar no Havaí.
Ingredientes, lenha e fogão
está tudo aqui.
Só não há fome.
Roberta Silva
Nem pesadelo nem doce sonho.
Bateu um vento
bem no meio de um porquê.
Petrifiquei bem aí.
Não teve um fator paralisante.
Só um não ter para onde ir.
Ninguém me acalma
ou preocupa nesse instante.
Nem é o nada quem me abraça,
ele não faria tanto por mim.
É só um não sentir.
Guardei tudo o que não consigo lidar em caixas e estoquei.
Estou bem no meio de um grande armazém.
O motivo pediu conta e foi surfar no Havaí.
Ingredientes, lenha e fogão
está tudo aqui.
Só não há fome.
Roberta Silva
Resíduo
Katarzyna Widmanska
E as palavras eram uma tempestade seca, irrespiráveis; estiagem de caminhos, pedras, troncos, estrada de chão; e eu desdobrava a minha solidão diante dos seus olhos – estes, sim, espelhos d’água.
Os cabelos e as unhas crescem e eu não percebo; não percebo o tempo e as vozes que ecoam olás e tudobens sem acabamento. Um tecido grosso cobre as palavras e os sentimentos - os verdadeiros sentimentos adormecem na rotina e: estou bem, e você? Não, não está tudo bem. E o mundo se choca com o meu corpo coroado de limo; com a minha boca que é só fuligem e estilhaços de carvão. Tudo é negro e o universo não silenciou; o universo, meu amor, sempre esteve em silêncio, vê?
Não sei como explicar a aparente falta de contornos entre os dias: véu negro trocando incessantemente de lugar com essa poça de luz. E o meu corpo acompanhando as mudanças com sorriso e entusiasmo de criança; e farfalhar de lágrimas.
[Mas toda a inquietação termina;
a existência que desabrocha em vida,
quando o seu corpo alimenta o meu coração miúdo de pássaro azul]
Daniela Lima
Os cabelos e as unhas crescem e eu não percebo; não percebo o tempo e as vozes que ecoam olás e tudobens sem acabamento. Um tecido grosso cobre as palavras e os sentimentos - os verdadeiros sentimentos adormecem na rotina e: estou bem, e você? Não, não está tudo bem. E o mundo se choca com o meu corpo coroado de limo; com a minha boca que é só fuligem e estilhaços de carvão. Tudo é negro e o universo não silenciou; o universo, meu amor, sempre esteve em silêncio, vê?
Não sei como explicar a aparente falta de contornos entre os dias: véu negro trocando incessantemente de lugar com essa poça de luz. E o meu corpo acompanhando as mudanças com sorriso e entusiasmo de criança; e farfalhar de lágrimas.
[Mas toda a inquietação termina;
a existência que desabrocha em vida,
quando o seu corpo alimenta o meu coração miúdo de pássaro azul]
Daniela Lima
segunda-feira, 18 de abril de 2011
platônico
ele vive Do Outro Lado do Espelho da Minha Mente, no lugar mais intocável por minhas mãos. traçando labirintos, fazendo vendavais, recitando García Lorca lá onde não faz sol, pois os olhos não alcançam. Lá de onde surgem todos os meus delírios. não entendo como convive com a histeria da confusão de cores e explosões por segundo que
ocorrem Do Outro Lado do Espelho da Minha Mente, acredito que nada disso faça muito barulho e que ele seja o causador dessa desordem. enquanto ele fala sobre o mundo inteiro em todos os tempos: presente, presente e presente, a folha branca que era O Outro Lado do Espelho da Minha Mente vira um carnaval que pula aqui pra fora. sem fazer muito barulho pois ele gosta de música. Por isso suporta, por ser uma bagunça histérica que não faz muito barulho. então pode ouvir sua música enquanto bagunça e anima a minha vida.
ele vive Do Outro Lado do Espelho da Minha Mente, no lugar mais intocável por minhas mãos. Mas um dia eu chegarei lá.
Priscila Lira
domingo, 17 de abril de 2011
Chove muito, mais, sempre mais...
Há como que uma coisa que vai desabar no exterior negro...
Todo amontoado irregular e montanhoso da cidade parece-me hoje uma planície, uma planície de chuva. Por onde quer que alongue os olhos tudo é cor de chuva, negro pálido.
Tenho sensações estranhas, todas elas frias. Ora me parece que a paisagem essencial é bruma, e que as casas são a bruma que a vela.
Uma espécie de anteneurose do que serei quando já não for gela-me corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura arrepia-me de dentro. Numa névoa de intuição, sinto-me, matéria morta, caído na chuva, gemido pelo vento. E o frio do que não sentirei morde o coração actual.
Fernando Pessoa, in: O Livro do Desassossego. Ed. Companhia das Letras
sexta-feira, 15 de abril de 2011
bolero para uma tarde de granizo
Enquanto leio, meus seios estão a descoberto. É difícil concentrar-me ao ver seus bicos. Então, rabisco as folhas deste álbum. Poética quebrada pelo meio. Palavra vendada. Vida sem cura. Tudo o que tira o sono. Passarinho pegando fogo enquanto voa.
Taí. Eu fiz tudo. Contei carneirinhos. Rasguei sombras. Apaguei reticências. Enredei lembranças. Remendei o passado. Soltei o verbo e os cachorros. O que a gente não é capaz de fazer para não perder o resto da esperança?
Uma borboleta gira à minha volta. Treme no meu ombro antes do voo fatal: lembrança do casulo.
Atrás de morro, morro. E é de amor.
Tenho uma janela aberta e límpida à minha espera:
Silvana Guimarães
quinta-feira, 14 de abril de 2011
Alinhavos
Conserto
Preciso consertar minha alma
e cerzir meu coração,
coser ponto por ponto os encontros
entrelaçar os fios rebordando meu monograma.
Lavar com cuidado e sabão de coco
esse coração encardido pelo guardado
e manchado de armário.
Minha mãe dizia:
guarda o branco em anil,
senão, amarela.
Lavar com amor e secar ao sol,
engomar ligeiramente em maisena,
passar a ferro quente.
Esticá-lo na vitrine da cristaleira
para que eu o veja sempre e não me esqueça
que o coração guardado se mancha de tempo perdido.
Wania Amarante, in: Quarto de Costura. Ed. Miguilim
e cerzir meu coração,
coser ponto por ponto os encontros
entrelaçar os fios rebordando meu monograma.
Lavar com cuidado e sabão de coco
esse coração encardido pelo guardado
e manchado de armário.
Minha mãe dizia:
guarda o branco em anil,
senão, amarela.
Lavar com amor e secar ao sol,
engomar ligeiramente em maisena,
passar a ferro quente.
Esticá-lo na vitrine da cristaleira
para que eu o veja sempre e não me esqueça
que o coração guardado se mancha de tempo perdido.
Wania Amarante, in: Quarto de Costura. Ed. Miguilim
quarta-feira, 13 de abril de 2011
Verbete: sexo
Alone Gut
1. marca de sapatinhos de lã azuis ou cor-de-rosa; 2. aquilo naquilo, naquela ou naqueloutro; 3. espécie de polvo que comumente habita lençóis ou tapetes e pode ter entre 8 e 960 tentáculos; 4. conglomerado intercontinental que fabrica “uis”, “ais”, “ohs” e afins em 1257 idiomas; 5. irmão siamês do tesão; 6. antônimo de cadáver (exceto para necrófilos); 7. momento que antecede sonhos em technicolor; 8. festa no céu; 9. o homicídio do hímem; 10. animalzinho que se alimenta de feromônios; 11. esconde-esconde em versão de adultos; 12. tranqüilizante natural à base de gemidos; 13. matéria-prima das sex-shops; 14. um dos apelidos do amor; 15. o pai de todas as guerras; 16. nômade que acampa em tendas iluminadas com neon, à beira da estrada; 17. motivo de dúvida e inquietação entre a classe angelical; 18. na geometria clássica, o encaixe perfeito entre côncavo e convexo; 19. na astrofísica, instante em que nascem os corpos celestes; 20. primeiro estágio da gravidez; 21. segundo Freud, o que leva o homem a chupar chupeta; 22. na economia moderna, bem complementar ao látex; 23. um dos motivos pelos quais elevadores ficam presos entre dois andares; 24. Gênese. (Ex.: “Acolhe-me em teu sexo, moça de sorriso largo, para que a vida seja a fusão entre duas meias-mortes e, o futuro, algo guardado no bolso traseiro esquerdo de um jeans despido e esquecido por sobre a mesa do jantar".)
André Gonçalves, in: Coisas de Amor Largadas na Noite. Ed. Ideias Inc.
André Gonçalves, in: Coisas de Amor Largadas na Noite. Ed. Ideias Inc.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
a ferida centrada.
A palavra captando os instantes fragmentários da vida...
sábado, 9 de abril de 2011
2. Um passarinho me árvore.
do amor
sexta-feira, 8 de abril de 2011
O baixo astral
Irisz Agocs
Enquanto dura o baixo astral, perco tudo. As coisas caem dos meus bolsos e da minha memória: perco chaves, canetas, dinheiro, documentos, nomes, caras, palavras. Eu não sei se será mal olhado. Pura casualidade, mas às vezes a depressão demora em ir embora e eu ando de perda em perda, perco o que encontro, não encontro o que busco, e sinto medo de que numa dessas distrações acabe deixando a vida cair.
Eduardo Galeano, in: O Livro dos Abraços. Tradução de Eric Nepomuceno. Ed. L&PM
Eduardo Galeano, in: O Livro dos Abraços. Tradução de Eric Nepomuceno. Ed. L&PM
O adeus dos sonhos
quarta-feira, 6 de abril de 2011
Setowski Bez
Também as cores me levam instantaneamente a mundos imprevistos. Mas são mundos da infância, que vi um dia magicamente e que perdi há muito. Certos tons de rosa, de verdes ou azuis fazem ressurgir em meu pensamento cenas inteiras que há muito já haviam submergido no oceano da memória.
Lúcio Cardoso, in: Diário Completo. Ed. José Olympio
Lúcio Cardoso, in: Diário Completo. Ed. José Olympio
terça-feira, 5 de abril de 2011
"Poeta, palhaço, pirata, corisco, errante judeu ..."
Tarsila do Amaral
[...] O artista cria um mundo outro - mas bonito ou mais intenso ou mais significativo ou mais ordenado - por cima da realidade imediata. Naturalmente, esse mundo outro que o artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das ideias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão do mundo.
Ferreira Gullar
[...] O artista cria um mundo outro - mas bonito ou mais intenso ou mais significativo ou mais ordenado - por cima da realidade imediata. Naturalmente, esse mundo outro que o artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das ideias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão do mundo.
Ferreira Gullar
segunda-feira, 4 de abril de 2011
– É assim mesmo - eu disse,
- O mundo fora de minha cabeça tem janelas, telhados, nuvens e aqueles bichos brancos lá embaixo. Sobre eles, não se detenhas demasiado, pois correrás o risco de transpassá-los com o olhar ou ver neles o que eles próprios não vêem, e isso seria tão perigoso para ti quanto para mim violar sepulcros seculares, mas, sendo uma borboleta, não será muito difícil evitá-lo: bastará esvoaçar sobre as cabeças, nunca pousar nelas, pois pousando correrás o risco de ser novamente envolvida pelos cabelos e reabsorvida pelos cérebros pantanosos e, se isso for inevitável, por descuido ou aventura, não deverás te torturar demasiado, de nada adiantaria, procura acalmar-te e deslizar para dentro dos tais cérebros o mais suavemente possível, para não seres triturada pelas arestas dos pensamentos, e tudo é natural, basta não teres medos excessivos - trata-se apenas de preservar o azul das tuas asas. [...]
Caio Fernando Abreu, in: Pedras de Calcutá. Ed. Agir
domingo, 3 de abril de 2011
Excesso
Szara Reneta
Quando se quer
da distância fazer
perto.
Quando se inventa
do outro
a melhor parte.
Quando se toma a lonjura
e por certo, se tem do incerto
aquilo que não sabe.
Quando se inventa na espera
o que adivinha
ser pelo excesso a linha do baraço.
Quando a ausência vacila
no silêncio e traz de volta
o fogo no regaço.
Maria Teresa Horta
da distância fazer
perto.
Quando se inventa
do outro
a melhor parte.
Quando se toma a lonjura
e por certo, se tem do incerto
aquilo que não sabe.
Quando se inventa na espera
o que adivinha
ser pelo excesso a linha do baraço.
Quando a ausência vacila
no silêncio e traz de volta
o fogo no regaço.
Maria Teresa Horta
sábado, 2 de abril de 2011
[...] Mas, mesmo assim, sempre vai haver a esperança de que você volte atrás, quem sabe a semana inteira, ou até meses, anos, o envelope esquecido, jogado em algum lugar, semanas, meses, anos, até que, quem sabe, algum dia, um deslize, um descuido, um movimento impensado, e esta carta que se abre e todo o mundo dentro dela que se abre [...].
Carola Saavedra, in: Flores Azuis. Ed. Companhia das Letras
sexta-feira, 1 de abril de 2011
Livros
Não era simplesmente por amar lê-los. Sim, amava. Amava, todavia, mais forte e irresistivelmente as páginas, as letras enfileiradas, o cheiro do papel impresso. Amava-os por possuir, a posse que a encantava. Era preciso que ela os possuísse. Preciso e necessário.
Tê-los ao redor, encarando-a, empilhados como que aguardando paciente pela escolha.
Ana Luiza Teófilo
Tê-los ao redor, encarando-a, empilhados como que aguardando paciente pela escolha.
Ana Luiza Teófilo
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