Alone Gut
este coração torto
enraizado até o caroço
no magma do instante
é a única asa que tenho
Wilson Guanais
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
domingo, 27 de janeiro de 2013
Sentido
Marcel Bovis
Despertas. Esqueceste o último sonho. Mas junto dos lábios ficou talvez o seu leve indício e é tudo o que resta. Fecharam-se mais uma vez os olhos para que neles se torne maior um lugar para a dúvida. Já não são tuas sequer essas imagens distantes, humedecidas. Mas há qualquer coisa ali que permanece ao teu alcance. Caminhas devagar para ela e queres conhecê-la melhor. Alguém responde: “Não é nada”. A palavra chegava ao teu espírito e aí permaneceu como se olhasses ainda a noite que se dissipa. Sentias-te um pouco mais frágil e de novo a escuridão veio ao teu encontro. É assim que fica perdido o sentido de tudo para sempre. Uma pétala caiu sem ruído, e sabes a que rosa pertence. Mas esta não existe.
Despertas. Esqueceste o último sonho. Mas junto dos lábios ficou talvez o seu leve indício e é tudo o que resta. Fecharam-se mais uma vez os olhos para que neles se torne maior um lugar para a dúvida. Já não são tuas sequer essas imagens distantes, humedecidas. Mas há qualquer coisa ali que permanece ao teu alcance. Caminhas devagar para ela e queres conhecê-la melhor. Alguém responde: “Não é nada”. A palavra chegava ao teu espírito e aí permaneceu como se olhasses ainda a noite que se dissipa. Sentias-te um pouco mais frágil e de novo a escuridão veio ao teu encontro. É assim que fica perdido o sentido de tudo para sempre. Uma pétala caiu sem ruído, e sabes a que rosa pertence. Mas esta não existe.
Fernando Guimarães
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Pena do pequeno jardim
Edouard Boubat
Ninguém pensa nas flores
Nos peixes
Acreditar
Que o jardim morre
E seu coração inchado debaixo do sol
Sua mente
Se esvazia lentamente, lentamente
De pensamentos verdes
E é como se a alma do jardim
Se isolou e apodreceu nos seus confins.
O pátio da nossa casa está sozinha
O pátio da nossa casa
Espreguiça-se
À espera da chuva duma nuvem desconhecida
E o lago da nossa casa está sozinho
Pequenas estrelas inexperientes
Caem à terra da altitude das árvores
E do meio das janelas descoradas do nosso aquário
De noite ouve-se o som de tossir
O pátio da nossa casa está sozinho.
O pai diz :
“já é tarde para mim
já é tarde para mim
eu levei o meu fardo
e fiz o meu trabalho”
e no seu quarto, de madrugada ao entardecer
lê uma epopeia
ou as notícias
o pai diz à mãe
“que se danem todos os peixes e aves
quando eu morrer então
que diferença fará haver um jardim
ou não haver
a mim chega-me a reforma”
por toda a vida a mãe
é uma existência estendida
na moldura do terror do destino
a mãe procura sempre no fundo de cada coisa
o finca-pé da verdade dum conselho
e pensa que o jardim está contaminada
às mãos da maldição de uma flor.
a mãe reza por todo o dia
a mãe é uma pecadora natural
e sopra por cima de todas as flores
e sopra para todos os peixes
e sopra para si
a mãe está à espera da aparição
e a providência que se há – de realizar.
O meu irmão chama cemitério ao jardim
O meu irmão ri-se do desfalecimento das ervas
E põe um número
Sobre os cadáveres dos peixes
Que se transformam em partículas pútridas
Debaixo da pele doentia da água
O meu irmão é viciado em filosofia
O meu conhece a redenção do jardim
No decesso do jardim.
Ele embebeda-se
E bate contra as portas e as paredes
E tenta dizer como
Está tão dorido e cansado e desiludido
Ele leva o seu desalento
Como o B.I. e o calendário e o lenço e o isqueiro e a caneta
Consigo para a rua
E seu desalento
É tão pequeno que por cada noite
Se perde na algazarra da baiuca.
E minha irmã que era amiga das flores
E quando a mãe a batia
levava as palavras ingénuas do seu coração
à sua sociedade carinhosa e calada
e por vezes convidava a família dos peixes
a um trato de sol e de doçura...
ela tem a casa do outro lado da cidade
ela na sua casa artificial
com os seus peixes vermelhos artificiais
e no abraço do amor do seu marido artificial
e debaixo de ramos de macieiras artificiais
cantando canções artificiais
e fazendo crianças naturais
ela
cada vez que nos vem visitar
e suja os cantos da sua saia na pobreza do nosso jardim
toma um banho de água de colónia
ela está grávida cada vez que nos vem visitar.
O pátio da nossa casa está sozinho
O pátio da nossa casa está sozinho
Por todo o dia
De detrás da porta
Se ouve o som do despedaçamento
E da obliteração
Todos os nossos vizinhos plantam metralhadoras e morteiros na terra dos seus jardins
Em vez de flores
Todos os nossos vizinhos cobrem
Os lagos de azulejos
E os lagos de azulejos
Mesmo sem sabê-lo
São esconderijos secretos de pólvora
E as nossas crianças pequenas enchem as suas pastas da escola
Com pequenas bombas.
O pátio da nossa casa está tonto.
Eu tenho medo do tempo
Em que perdi o meu coração
Eu tenho medo
Da imagem de inutilidade de tantas mãos
E da estátua de estranheza de tantas mãos
Eu estou sozinho como o estudante
que ama loucamente
A sua disciplina de geometria
E penso que se pode levar o jardim ao hospital
Eu penso...
Eu penso...
Eu penso...
E o coração do jardim está inchado debaixo do sol
E a alma do jardim se vai esvaziando lentamente
De memórias verdes.
Forugh Farrokhzad / Tradução de Mohsen Rostami
Ninguém pensa nas flores
Nos peixes
Acreditar
Que o jardim morre
E seu coração inchado debaixo do sol
Sua mente
Se esvazia lentamente, lentamente
De pensamentos verdes
E é como se a alma do jardim
Se isolou e apodreceu nos seus confins.
O pátio da nossa casa está sozinha
O pátio da nossa casa
Espreguiça-se
À espera da chuva duma nuvem desconhecida
E o lago da nossa casa está sozinho
Pequenas estrelas inexperientes
Caem à terra da altitude das árvores
E do meio das janelas descoradas do nosso aquário
De noite ouve-se o som de tossir
O pátio da nossa casa está sozinho.
O pai diz :
“já é tarde para mim
já é tarde para mim
eu levei o meu fardo
e fiz o meu trabalho”
e no seu quarto, de madrugada ao entardecer
lê uma epopeia
ou as notícias
o pai diz à mãe
“que se danem todos os peixes e aves
quando eu morrer então
que diferença fará haver um jardim
ou não haver
a mim chega-me a reforma”
por toda a vida a mãe
é uma existência estendida
na moldura do terror do destino
a mãe procura sempre no fundo de cada coisa
o finca-pé da verdade dum conselho
e pensa que o jardim está contaminada
às mãos da maldição de uma flor.
a mãe reza por todo o dia
a mãe é uma pecadora natural
e sopra por cima de todas as flores
e sopra para todos os peixes
e sopra para si
a mãe está à espera da aparição
e a providência que se há – de realizar.
O meu irmão chama cemitério ao jardim
O meu irmão ri-se do desfalecimento das ervas
E põe um número
Sobre os cadáveres dos peixes
Que se transformam em partículas pútridas
Debaixo da pele doentia da água
O meu irmão é viciado em filosofia
O meu conhece a redenção do jardim
No decesso do jardim.
Ele embebeda-se
E bate contra as portas e as paredes
E tenta dizer como
Está tão dorido e cansado e desiludido
Ele leva o seu desalento
Como o B.I. e o calendário e o lenço e o isqueiro e a caneta
Consigo para a rua
E seu desalento
É tão pequeno que por cada noite
Se perde na algazarra da baiuca.
E minha irmã que era amiga das flores
E quando a mãe a batia
levava as palavras ingénuas do seu coração
à sua sociedade carinhosa e calada
e por vezes convidava a família dos peixes
a um trato de sol e de doçura...
ela tem a casa do outro lado da cidade
ela na sua casa artificial
com os seus peixes vermelhos artificiais
e no abraço do amor do seu marido artificial
e debaixo de ramos de macieiras artificiais
cantando canções artificiais
e fazendo crianças naturais
ela
cada vez que nos vem visitar
e suja os cantos da sua saia na pobreza do nosso jardim
toma um banho de água de colónia
ela está grávida cada vez que nos vem visitar.
O pátio da nossa casa está sozinho
O pátio da nossa casa está sozinho
Por todo o dia
De detrás da porta
Se ouve o som do despedaçamento
E da obliteração
Todos os nossos vizinhos plantam metralhadoras e morteiros na terra dos seus jardins
Em vez de flores
Todos os nossos vizinhos cobrem
Os lagos de azulejos
E os lagos de azulejos
Mesmo sem sabê-lo
São esconderijos secretos de pólvora
E as nossas crianças pequenas enchem as suas pastas da escola
Com pequenas bombas.
O pátio da nossa casa está tonto.
Eu tenho medo do tempo
Em que perdi o meu coração
Eu tenho medo
Da imagem de inutilidade de tantas mãos
E da estátua de estranheza de tantas mãos
Eu estou sozinho como o estudante
que ama loucamente
A sua disciplina de geometria
E penso que se pode levar o jardim ao hospital
Eu penso...
Eu penso...
Eu penso...
E o coração do jardim está inchado debaixo do sol
E a alma do jardim se vai esvaziando lentamente
De memórias verdes.
Forugh Farrokhzad / Tradução de Mohsen Rostami
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
45.
Passarinho
faz árvore de tarde
nos andarilhos.
faz árvore de tarde
nos andarilhos.
Manoel de Barros, in: O Livro de Bernardo / Poesia Completa. Ed. Leya Brasil
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
clarice
Rebecca Rebouché
quando saio de mim
por aí
encontro
o outro
eu, e os outros
eus,
including clouds
Karina Rabinovitz, in: Poesia pra Caixinha [de fósforo]
quando saio de mim
por aí
encontro
o outro
eu, e os outros
eus,
including clouds
Karina Rabinovitz, in: Poesia pra Caixinha [de fósforo]
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
XX
domingo, 20 de janeiro de 2013
*
Zerno Roli
(Deitada de lado, escuto o barulho da lágrima a cair na palma da minha mão.)
A minha casa é a literatura. E se arrebentarem portas e janelas, me visto de branco para me confundir com a pintura das paredes.
E se chuva houver e estragar a pintura, também eu ficarei estragada. Mas ainda não deixarei de ser literatura.
O limite da dor não é o limite do texto, nem está nos limites da casa.
A minha casa é a literatura. E se arrebentarem portas e janelas, me visto de branco. Para me confundir com a leitura das paredes.
Camila do Valle
sábado, 19 de janeiro de 2013
Continuidade
Francesca Woodman
Alejandra Pizarnik, in: Extracción de la Piedra de Locura. Tradução de Sérgio Alcides. In: Puentes. Poesía argentina y brasileña contemporánea. Ed. Fondo de Cultura Económica. Antología bilingue.
Não nomear as coisas com seus nomes. As coisas têm bordas dentadas, vegetação luxuriante. Mas quem fala no quarto cheio de olhos. Quem denteia com uma boca de papel. Nomes que vêm, sombras com máscaras. Me cura do vazio - disse eu. (A luz se amava no meu escuro. Percebi que já não havia quando me peguei dizendo: sou eu.) Me cura - disse eu.
Alejandra Pizarnik, in: Extracción de la Piedra de Locura. Tradução de Sérgio Alcides. In: Puentes. Poesía argentina y brasileña contemporánea. Ed. Fondo de Cultura Económica. Antología bilingue.
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
amor
o amor não está aqui nem está alhures. o amor não tem algo a dizer. não pergunte nada ao amor. não o procure no fundo de nada; ele sempre está na superfície. principalmente não o procure. mas também não espere que se você não o procurar, vai encontrá-lo. não morra de amor. o amor não é uma entidade: não exige respeito nem homenagens. ele não tem autonomia para abater-se sobre quem ele bem quiser, porque ele não é uma coisa em si. ouça. agora mesmo. ele está falando.você escutou? não?
Noemi Jaffe
quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
babel
Maria Hergueta
os poemas pousam breves alçam voo
não detenho em minha mente qualquer tema
as palavras soam a_penas – são aladas
idiomas são problemas
Líria Porto
domingo, 13 de janeiro de 2013
De (Lírios)
Van Gogh
Em frente à casa amarela em Arles havia um canteiro de lírios. Ou
seria na cabeça amarela de Van Gogh que esses lírios floresciam?
Inclino-me mais pela segunda hipótese. Ou não sofresse Van Gogh
delírios.
Jorge Sousa Braga
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
A vida
Gabriele Cappello
A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;
a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;
a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.
Nuno Júdice, in: Teoria Geral do Sentimento
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;
a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;
a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.
Nuno Júdice, in: Teoria Geral do Sentimento
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Diante do Lago Ohrid em Struga
"Ensaios fotográficos" por Patrícia Simplício
I - De manhã
Diante deste lago
tão vasto que parece um mar
oiço o leve ruído das suas pequeninas ondas
estirando-se na areia.
Um lago é uma água prisioneira:
só o mar atira para fora
para longe
Mas também o mar está preso à terra.
II
Estou à beira do lago:
é o fim do Verão.
Sentada debaixo de uma grande árvore
algumas folhas já amarelas
caem de vez em quando sobre mim.
São poucas
discretas
mas nelas sinto já
o princípio do regresso à terra funda.
III
Neste ponto do lago
há um canal:
a corrente estreita-se
forma um pequeno rio
que mais adiante ganha velocidade
e depois desaparece
numa súbita curva do percurso.
Olhando eu penso:
este lago é um corpo
tem uma corrente sanguínea
esta é uma das suas verdes veias.
Neste ponto do lago
há um canal:
a corrente estreita-se
forma um pequeno rio
que mais adiante ganha velocidade
e depois desaparece
numa súbita curva do percurso.
Olhando eu penso:
este lago é um corpo
tem uma corrente sanguínea
esta é uma das suas verdes veias.
Ana Hatherly
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