domingo, 30 de setembro de 2012

jogos de armar /trajeto

Francesca Woodman
Entrar (, violento, abrupto como cápsula de metal, nave que incandesce enquanto cai no ar denso, metáfora brilhando rubra na escuridão do céu, diáspora em que não se sai, antes se mergulha no nada até rebentar no chão qual semente e, assim, germinar) no real, cair (, precipitar-se numa fuga pelo abismo, voluntário mau passo no vazio, deixando o chão que o arranha-céu alçou, artificial e estranhamente, ao antes impossível espaço dos pássaros, verter-se até o fim como quem não vai se encontrar) em si. 

Nuno Rau

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Em desconstrução

Antonio Palmerini
principiou em mim
e terminou em algum lugar
em construção

quando se desliga a música
antes dela acabar 
o ar fica freado 
no espaço 

vou para rua e não escuto 
o murmurar do mundo 

há tanto para se fazer 
e quando algo começa 
em algum ponto 
e resolve continuar em mim 
sinto que permanece para sempre 

nunca há fim nos princípios 
tudo é eterno e inacabado

Lara Amaral

Presencia

tu voz
en este no poder salirse las cosas
de mi mirada
ellas me desposeen
hacen de mí un barco sobre un río de piedras
si no es tu voz
lluvia sola en mi silencio de fiebres
tú me desatas los ojos
y por favor
que me hables 
siempre

Alejandra Pizarnik, in: Los Trabajos Y Las Noches, 1965 / Poesía Completa. Ed. Lumen

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Nosso tempo

VIII

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta
um verme.


Carlos Drummond de Andrade, in: Antologia Poética. Ed. Record

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

gangorra

Amanda Cass
e do outro lado, sempre alguém mais leve. olhando de cima, com as mãos na barra. sorriso no rosto. e você do lado oposto. afundado. sapatos sujos de terra. joelhos arranhados no chão. embaixo. sempre descido na outra extremidade do brinquedo. querendo saber o que carrega de tão pesado assim por dentro.

Eduardo Baszczyn

sexta-feira, 14 de setembro de 2012


noite
onde a lua se esconde
nova?

descompasso no céu
e em mim

Nydia Bonetti

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Patrick Gonzalès
os dias iguais são ensaios
de eternidades

todos os dias são um só
dia

as dores: memórias
esquecidas

as alegrias

o canto tardio
do pássaro cego

os lírios

tudo
como num grande e fugaz

delírio

Nydia Bonetti

de repente...


[...] Padeço agora de umas fragilidades de que não padecia antes, de umas preocupações com o tempo, com os sustos que o tempo prega. De repente, passaram-se dez anos. Ou vinte.

Caio Fernando Abreu, in: A Vida Gritando nos Cantos. Ed. Nova Fronteira / Fragmento da crônica Fragmentos de um domingo. O Estado de S. Paulo, 17/9/1986

O fio esticado

Barbara Cole

a alma contida
segmentos partidos, filamentos soltos
[é preciso traduzir essa emoção]

Eliana Mora

domingo, 2 de setembro de 2012

DESPUÉS NO HABRÁ NADA

Beata Oswiecinska


Después no habrá nada; sólo un largo silencio, el vacío, nada. Tú lo sabes, todos lo sabemos. Anda, deja ya de hacernos perder el tiempo. Ponte tu mejor traje, los zapatos nuevos, el reloj de oro. Péinate y métete de una vez en la urna que todos te estamos esperando.

Arnoldo Rosas, in: Para Enterrar al Puerto
María Wernicke

A partir
de cierta edad
contemplar
la belleza
produce
melancolía.

Ángel Guache, in: Un Mundo en Miniatura. Ed. Huerga & Fierro, Madrid

sábado, 1 de setembro de 2012

manoelana

Vânia Medeiros
transbordam em mim reminiscências:
águas que me secam, redundâncias de me sentir.

se o ocaso está repleto de ciscos, reticências,
serei eu mais que o completo vazio?

guardo meus olhos na sarjeta mais distante e suja.

Nina Rizzi, in: Tambores para N'Zinga. Ed. Multifoco

outro estudo pra o silêncio

Vânia Medeiros
a perene lembrança do teu nome deságua, diáfana
nas nascentes do meu rio mais comprido.

Nina Rizzi, in: Tambores para N'Zinga. Ed. Multifoco