quinta-feira, 28 de novembro de 2013

[Junio / 1962]

Francesca Woodman


No recuerdo. Ahora que pasaron tantas horas me pregunto cómo era. Su rostro está en mí, lo siento en mis nervios, flota en mis ojos. No sé qué hacer con ese rostro que no recuerdo. 

Alejandra Pizarnik, in: Diarios. Ed. Lumen

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Poema de noviembre

na sequência: Instant Light: Tarkovsky Polaroids
I

Me he sentado algo lejos. Esperando
que la tormenta pasara.
Eso creía.

De pronto estalló en mis oídos
un suspiro
desde el bosque de Octubre:

Desnudos y negros se alzaban los árboles
fríos todos los pájaros como la muerte
y helado el silencio

hasta que alguien dijo: De aquí
salen todos los caminos

II

Tú que conocías todas las respuestas
caminabas estirado
por el valle
con el dedo señalaste la cima:
hasta allá
querías llegar
sin vacilar, sin dudar.
Convencido

y ahora cabizbajo te paras
a la redonda sólo el blando
marisma

y el silencio
III

Como haber perdido a Dios
sin haberlo nunca tenido

como quedarse de pie
en el muelle
lista para viajar
y mirar los barcos
pasar de largo

como haber perdido
algo
que nadie nunca ha tenido

Ingibjörg Haraldsdóttir

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Coração numeroso

Arianna Vairo
Foi no Rio.
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.

Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

O mar batia em meu peito, já não cabia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.

Carlos Drummond de Andrade, in: Antologia Poética. Ed. Record

Pour mémoire

Não me toques
nesta lembrança.
Não perguntes a respeito
que viro mãe-leoa
ou pedra-lage lívida
ereta
na grama
muito bem-feita.
Estas são as fazes da minha fúria.
Sob a janela molhada
passam guarda-chuvas
na horizontal,
como em Cherbourg,
mas não era este
o nome.
Saudade em pedaços,
estação de vidro.
Água
As cartas
não mentem jamais:
virá ver-te outra vez
um homem de outro continente.
Não me toques,
foi minha cortante resposta
sem palavras
que se digam
dentro do ouvido
num murmúrio.
E mais não quer saber
a outra, que sou eu,
do espelho em frente.
Ela instrui:
deixa a saudade em repouso
(em estação de águas)
tomando conta
desse objeto claro
e sem nome.

Ana Cristina Cesar, in: A Teus Pés. Ed. Ática

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

COMUNICAÇÕES

Ego, 2012. MariAn [the Fog]
Eu falo de mim – daqui –
desta central
pelo microfone do corpo
por esse fio que vem do fundo
eu me irradio

assim, numa transmissão de
sustos e rangidos
veia e voz, ao vivo, sob tanto
sangue: pantera escarlate
que passa e pisa

e se espatifa nesse chão
pata de lacre
grito, pingo sobre o alvo
tão tátil da minha carne
nos panos

repentinos do meu espanto
nas janelas
onde me debruço sucessivo
e vário, sequência de mim
em fotonovelas

me desdobro – quadro por quadro
nos desenhos
de dentro do que sou e projeto
aos poucos, plano e pausa
para fora

com a vida que me veste
pelo avesso:
filmes de sêmen onde publico
figuras de suor e celulóide
numa lâmina

de velocidade e de lembrança
em fotogramas
de esperas e procuras – falha
folha de slides-células, sopro
e pulso

página de pele em que escrevo
o uso
a articulada letra do meu gesto
o rascunho de unhas e rasuras
feito à unha

nas nuas marcas do meu corpo
no espaço
e nos lençóis da claridade
monograma, silhueta, cadência
e a fala

que se imprime nesta fita
neste sulco
a linguagem como um fim
a linguagem por um fio
e a morte em morse.

Armando Freitas Filho, in: De corpo presente, 1975. Coleção Poesia Viva

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

sem demasias ou delongas

Dominique Fortin
a catar qual passarinho
(não preciso latifúndio)
um canto pra minha rede
um amor pra minha sede
um pouso

Líria Porto

domingo, 17 de novembro de 2013

à janela

todos os dias
na mesma página
outras palavras

no mesmo cenário
outros pássaros

na mesma fresta
outra alegoria

Líria Porto

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

.

Lawatt
Há cidades acesas na distância,
Magnéticas e fundas como luas,
Descampados em flor e negras ruas
Cheias de exaltação e ressonância.

Há cidades acesas cujo lume
Destrói a insegurança dos meus passos,
E o anjo do real abre os seus braços
Em nardos que me matam de perfume.

E eu tenho de partir para saber
Quem sou, para saber qual é o nome
Do profundo existir que me consome
Neste país de névoa e de não ser.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in: Poesia, Prefácio de Pedro Eiras. Ed. Assírio & Alvim

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

"[...] um mundo que se mostra, entretanto, cada vez mais como um devaneio, um sonho, um pesadelo."

Kate Pulley
O tempo tem esse poder. O passado inexiste, bem como o futuro. E ficamos aqui, num agora sem fim enquanto dura a vida. Ficamos aqui fazendo projetos e remoendo cicatrizes do que já foi e não mais é. [...] O horizonte, de um azul que arranha, de um azul profundo sob este solo, continua além das sombras que se projetam sob os nossos pés. E a serra, além do horizonte está ainda além, pois ele sempre nos engana, descendo, descendo, e nunca tocando a terra.

Evaldo Balbino, do conto Dama-entre-verdes e espinhos, in: Amores oblíquos. Ed. 7 Letras