quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Brincadeiras

Betania Zacarias
No quintal, a gente gostava de brincar com palavras
mais do que de bicicleta.
Principalmente porque ninguém possuia bicicleta.
A gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assim:
O céu tem três letras,
O sol tem três letras,
O inseto é maior.
O que parecia um despropósito
Para nós não era despropósito.
Porque o inseto tem seis letras, e o sol só tem três
Logo o inseto é maior. (Aqui entrava a lógica?)
Meu irmão que era estudado falou quê lógica quê nada
Isso é um sofisma. A gente boiou no sofisma.
Ele disse que sofisma é risco n’água. Entendemos tudo.
Depois Cipriano falou:
Mais alto do que eu, só Deus e os passarinhos.
A dúvida era saber se Deus também avoava
Ou se Ele está em toda parte como a mãe ensinava.
Cipriano era um indiozinho guató que aparecia no
quintal, nosso amigo. Ele obedecia a desordem.
Nisso apareceu meu avô.
Ele estava diferente e até jovial.
Contou-nos que tinha trocado o Ocaso dele por duas andorinhas.
A gente ficou admirado daquela troca.
Mas não chegamos a ver as andorinhas.
Outro dia a gente destampamos a cabeça de Cipriano.
Lá dentro só tinha árvore árvore árvore
Nenhuma ideia sequer.
Falaram que ele tinha predominâncias vegetais do que platônicas.
Isso era.

Manoel de Barros, in: Memórias Inventadas / As Infâncias de Manoel de Barros. Ed. Planeta

3 comentários:

  1. Sabe quando uma imagem vale mil palavras?

    Casou lindamente com o texto,


    Bjka

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  2. Encerrei as atividades do Mantras de Outono! Quando quiser, se puder, deixe seu adeus lá. Continuarei passando por aqui.

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  3. Passando aqui para fechar muito bem um dia longo cansativo corrido que mais pareceu uma semana inteira... e ó, eu nao sei andar de bicicleta, a gente nunca teve... a gente deitava no quintal e ficava olhando pro céu... beijo, querida.

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