Edward Hopper
A Dolores
É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo
É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.
É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz - morte - mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.
Carlos Drummond de Andrade, in: A Rosa do Povo. Ed. Record
"Hora de delicadeza,
ResponderExcluirgasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?"
Se não houver tenho medo.
=*
Tenho medo de tanta coisa, Drummond...
ResponderExcluirAdoro esse poema!
ResponderExcluirDrummond é fera né?
ResponderExcluirÓtima escolha!
=*