terça-feira, 27 de setembro de 2011

O Coração

Amanda Cass
Coração: Esta palavra vale para todo tipo de movimentos e desejos, mas o que é constante é que o coração se constitui em objeto de dom - quer ignorado, quer rejeitado.

1. O coração é o orgão do objeto (o coração, infla, fraqueja, etc., como o sexo), tal como é retido, encantado, no campo do Imaginário. O que o mundo, o que o outro vai fazer de meu desejo? Essa a inquietude em que se concentram todos os movimentos do coração, todos os "problemas" do coração.

2. Werther se queixa do príncipe de X: "Ele aprecia meu espírito e meus talentos mais do que este coração, que contudo é meu único orgulho [...] Ah, o que sei, qualquer outro pode saber - meu coração é meu e de ninguém mais."
Você me espera onde não quero ir: ama-me onde não estou. Ou ainda: o mundo e eu não nos interessamos pela mesma coisa; e, desgraçadamente para mim, esta coisa dividida sou eu; não me interesso (diz Werther) pelo meu espírito; você não se interessa por meu coração.

3. O coração é o que acredito dar. Cada vez que este dom me é devolvido, é então pouco dizer, como Werther, que o coração é o que resta de mim, uma vez extraído todo o espírito que me atribuem e que não quero: o coração é o que me resta, e este coração que me resta no coração é o coração pesado: pesado do refluxo que o encheu dele mesmo (apenas o amante e a criança têm o coração pesado).

(X... deve ausentar-se por semanas, talvez mais; quer, no último momento, comprar um relógio para a viagem; a vendedora graceja: "O senhor quer o meu? O senhor devia ser bem jovem, quando eles custavam esse preço, etc."; ela não sabe que eu estou com o coração pesado.)

Roland Barthes, in: Fragmentos de Um Discurso Amoroso. Ed. Martins Fontes

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