Quando passo às vezes por aquela esquina, espio sempre a outra rua por trás da igreja. E mesmo sem querer, sem perceber claro o que sinto, lembro daquela tarde em que fui visitá-lo pela última vez, depois voltei caminhando pela rua cheia de árvores tão altas que suas copas se encontram e se misturam no alto, como num túnel redondo, irregular, a pensar coisas que nem lembro mais.
Quando passo por lá assim rapidamente, numa tarde como a de ontem ou outras iguais destes tantos meses passados, penso se não deveria retomá-la — essa rua, essa caminhada, mas sem ele agora — uma tarde, noite ou manhã quaisquer para refazer o percurso inverso até a casa dele, onde nem mora mais. E parado naquela esquina feito espião, contemplar a sacada daquele décimo andar onde costumávamos nos debruçar abraçados para olhar aquela rua lá embaixo sendo aos poucos coberta pelas sombras da tarde furando a copa-túnel das árvores. As sombras que crescem devagar sobre o asfalto quente do verão passado. As sombras, enfim.
Caio Fernando Abreu, in: do conto Metâmeros / Ovelhas Negras. Ed. L&PM
E eu lembro, e lembro...
ResponderExcluirtenho problemas com lembrancas e lugares... camila modesto
ResponderExcluircomo num filme essas lembranças vagam em minha mente. ah, e como dói.
ResponderExcluirDescobri agora o blog. Encantada com a fartura literária! Parabéns! Marcela.
ResponderExcluircoincidência boa, ontem estava lendo vários contos do caio.
ResponderExcluiruma maravilha!
grande abraço!
adorei o blog, é simples mas com muuuito conteúdo, assim como todas as coisas deviam ser!
ResponderExcluirbjos
Minha alma é um poço de lembranças. Lembro de tantas coisas. E adoro as sombras, não apenas as do verão... rs
ResponderExcluirbacio
"É dificil lidar com as perdas... mas devemos aprender!!!"
ResponderExcluirEncantador o texto... Caio sempre Caio... maravilhoso!!!
Beijos