sábado, 16 de outubro de 2010

Estas areias pesadas são linguagem

O último presente que você me deu foi um livro da Ana Cristina César. Comprou dois. Um pra mim e um pra ter. E fizemos como sempre fazíamos. Abrimos lá o livro num café e lemos um poema. Agora eu fico lembrando tudo isso e me sentindo meio estúpida.
De não ter percebido que eram sempre a primeira e última vez aqueles momentos todos.
Fico me sentindo insensível por ter me distraído por uns instantes. Achando que tudo estava ainda por acontecer. E que nossa vida — a grande vida — estava só por começar. Vou à estante. Pego o livro. Não sei mais qual foi o poema. Perdi-o. Perdi a entonação, talvez apressada (tentando acertar), que usei para ler o poema. Enquanto você fumava um Marlboro vermelho. Orquestrando com o olhar firme as palavras que se diluíam na fumaça do seu sopro. Tentando sacar, talvez, por que essa moça Ana Cristina César foi essa poeta Ana Cristina César. O cheiro do café sempre dizia Manuel Bandeira. Àquele momento, nós ali, lendo "antigos e soltos". Lembrar é mais triste que escrever um poema que será esquecido.

Assionara Souza

4 comentários:

  1. Apesar do tom melancólico e triste, o textículo é absolutamente perfeito!

    Beijo!

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  2. É realmente lindo... também perdi a entonação...
    beijos querida

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  3. eu me encantei por este título. muito.

    beijos.

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