A pequenos intervalos rasteja sobre o mundo a sombra de uma guerra de dimensões maiores, explicitada nos meios de comunicação.
Uma guerra apenas "interessante" mal faz cócegas em nossa sensibilidade: estamos calejados pelas fotos e filmes de corpos dilacerados e poças de sangue.
Pequenas guerras mais ou menos ignoradas estão acontecendo sempre em países, cidades ou casas, aqui e ali. Sem falar desta em nosso próprio país - a guerra do narcotráfico -, alimentada cada vez que alguém acende um inocente cigarro de maconha ou dá uma cheirada de coca numa festinha qualquer. E sua irmã, a perversa guerrilha urbana que é a violência do trânsito e da bandidagem impune.
Mas desta vez é a guerra alardeada, propagandeada, a grande morte mil vezes anunciada. Violência em close-up com todos os recursos à mão para melhor matar e assistir à matança nos quatro cantos da Terra.
Insisto em que o ser humano não é original. Recoberto de algum requinte, continua feroz. Contemplando a violência dos tempos atuais, penso nos tempos antigos. A Idade Média. As Cruzadas. A Santa Inquisição.
Quando visitei pela primeira vez a catedral de Colônia, inimaginavelmente grande, a primeira coisa que me ocorreu foi como teria sido quando de sua construção. Aquele monstro alteando-se do nada, em torno centenas de choupanas miseráveis onde miseráveis seres humanos morriam na imundície e na lama, construtores ínfimos daquela maravilha máxima. Entrei na catedral com certo enjoo. Pois o humano ainda me comove mais do que a arte.
Agora a guerra é mais suja, dizem alguns, pois se mata de longe, apertando botões ou lançando veneno. Antes se rasgava o ventre do outro ou se decepava sua cabeça, depois se corria, mãos molhadas de sangue, a estuprar mulheres e crianças na aldeia próxima.
O que seria mais sujo ou mais higiênico, eu não saberia distinguir.
Os gritos dos torturados pela Santa Inquisão continuam ecoando pelas prisões e praças onde eles sofreram e morreram por razões abjetas como manipulação do pensamento e exercício desvairado do poder.
Mas o mundo não é só isso. O mesmo animal predador, que mata por lucro e poder, também produz arte, ama, sabe refletir, ensinar, expressar ideias incríveis, acolher o amigo, segurar a mão do amado que morre.
Pode parecer tolo, mas eu acredito que, nos momentos de sombra, mais do que argumentar e gritar ou deprimir-se, a gente devia acender a pequena chama de algo positivo. Se cada um cultivar afeto, beleza e lealdade em seu ambiente, por pequeno que seja, isso há de espalhar claridade no mundo. E não haverá apenas sombra e horror.
Porque se a gente não acreditar nisso, melhor será correr para o campo de batalha (ou pra uma de nossas ruas mesmo) e abrir o peito à primeira bala de quem quer que seja.
Bala perdida serve - e não é coisa assim tão rara.
Lya Luft, in: Pensar é Transgredir. Ed. Record
Uma guerra apenas "interessante" mal faz cócegas em nossa sensibilidade: estamos calejados pelas fotos e filmes de corpos dilacerados e poças de sangue.
Pequenas guerras mais ou menos ignoradas estão acontecendo sempre em países, cidades ou casas, aqui e ali. Sem falar desta em nosso próprio país - a guerra do narcotráfico -, alimentada cada vez que alguém acende um inocente cigarro de maconha ou dá uma cheirada de coca numa festinha qualquer. E sua irmã, a perversa guerrilha urbana que é a violência do trânsito e da bandidagem impune.
Mas desta vez é a guerra alardeada, propagandeada, a grande morte mil vezes anunciada. Violência em close-up com todos os recursos à mão para melhor matar e assistir à matança nos quatro cantos da Terra.
Insisto em que o ser humano não é original. Recoberto de algum requinte, continua feroz. Contemplando a violência dos tempos atuais, penso nos tempos antigos. A Idade Média. As Cruzadas. A Santa Inquisição.
Quando visitei pela primeira vez a catedral de Colônia, inimaginavelmente grande, a primeira coisa que me ocorreu foi como teria sido quando de sua construção. Aquele monstro alteando-se do nada, em torno centenas de choupanas miseráveis onde miseráveis seres humanos morriam na imundície e na lama, construtores ínfimos daquela maravilha máxima. Entrei na catedral com certo enjoo. Pois o humano ainda me comove mais do que a arte.
Agora a guerra é mais suja, dizem alguns, pois se mata de longe, apertando botões ou lançando veneno. Antes se rasgava o ventre do outro ou se decepava sua cabeça, depois se corria, mãos molhadas de sangue, a estuprar mulheres e crianças na aldeia próxima.
O que seria mais sujo ou mais higiênico, eu não saberia distinguir.
Os gritos dos torturados pela Santa Inquisão continuam ecoando pelas prisões e praças onde eles sofreram e morreram por razões abjetas como manipulação do pensamento e exercício desvairado do poder.
Mas o mundo não é só isso. O mesmo animal predador, que mata por lucro e poder, também produz arte, ama, sabe refletir, ensinar, expressar ideias incríveis, acolher o amigo, segurar a mão do amado que morre.
Pode parecer tolo, mas eu acredito que, nos momentos de sombra, mais do que argumentar e gritar ou deprimir-se, a gente devia acender a pequena chama de algo positivo. Se cada um cultivar afeto, beleza e lealdade em seu ambiente, por pequeno que seja, isso há de espalhar claridade no mundo. E não haverá apenas sombra e horror.
Porque se a gente não acreditar nisso, melhor será correr para o campo de batalha (ou pra uma de nossas ruas mesmo) e abrir o peito à primeira bala de quem quer que seja.
Bala perdida serve - e não é coisa assim tão rara.
Lya Luft, in: Pensar é Transgredir. Ed. Record
ELA ... COMO SEMPRE!
ResponderExcluirADOREI O FINAL SEMPRE FECHANDO COM LOUVOR.
Jenifer, amei e mergulho neste trecho:
ResponderExcluir... mas acredito que, nos momentos de sombra, mais do que argumentar e gritar ou deprimir-se, a gente devia acender a pequena chama de algo do [olhar pra dentro].
Abraços!
Priscila Cáliga
É preciso ter ainda luz dentro de cada um de nós...todavia não a luz que cega!
ResponderExcluir...Preciso conhecer Lya Luft
Oi Flor!!
ResponderExcluirSim, sempre que vou ao reino estou com a xícara e o cigarro nas mãos...no coração um milhão de sentimenstos reversos...
essa eterna sensação de dor e prazer é a secreta essência da minha alma...talvez por isso esteja sentindo o mesmo!
Que bom qe te fiz viajar por alguns instantes...sinal de encantamento de ambas as partes!!
QUanto ao texto da Lya...inefáveis palavras...imenso seu significado dentro de mim!
Ainda me assombro com a capacidade que ela tem de transformar a dor em lição!
Um enorme beijo!!
Mell
O homem esquece de dar valor ao homem.
ResponderExcluirTriste essa alienação
Vim agradecer a visita e gostei demais do teu canto. Que seleção! Estarei por aqui. beijoos
ResponderExcluirA Lya, é uma escritora que me deixa sem palavras.
ResponderExcluirTão absurdamente lindooooooooo as coisas que ela escreve. Reais, a nossa cara. O nosso tapa na cara.
Salve Lya, sempreeeeeee!
Um abração Flor!!!
luft me lhufa rs, tenho perdas e ganhos - tão auto ajuda!
ResponderExcluirQuerida amiga.
ResponderExcluirHoje a minha visita é para agradecer.
Nestes dias que celebro a minha vida,
tenho certeza de que a mesma
não teria o brilho de hoje,
se não fossem os amigos e amigas
que a tornam valiosa
mesmo que distantes.
A ti gostaria de dizer obrigado:
Obrigado pelas visitas ao meu blog.
Obrigado pelas palavras semeadas.
Obrigado por sentir os meus textos
com os olhos do coração.
Sou eternamente grato a vida,
por mais estes presentes
que de modo gentil
deixas em minha vida,
fazendo de mim uma pessoa melhor,
e pleno de felicidade.
Lindos dias de vida para ti.
Sempre com ótimos textos. E ler Lya agora me pareceu meio frustrante, encontrei o livro Perdas e Ganhos por R$ 10 na feira que está tendo no centro da cidade. Que bom que conhece Ana C.
ResponderExcluirbeijo,
Rodolpho A.