quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Pela rua

Sem qualquer esperança
detenho-me diante de uma vitrina de bolsas
na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, domingo,
enquanto o crepúsculo se desata sobre o bairro.

Sem qualquer esperança
te espero
Na multidão que vai e vem
entra e sai dos bares e cinemas
surge teu rosto e some
num vislumbre
e o coração dispara
Te vejo no restaurante
na fila do cinema, de azul
diriges um automóvel, a pé
cruzas a rua
miragem
que finalmente se desintegra com a tarde acima dos
edifícios
e se esvai nas nuvens

A cidade é grande
tem quatro milhões de habitantes e tu és uma só.
Em algum lugar estás a esta hora, parada ou andando,
talvez na rua ao lado, talvez na praia
talvez converses num bar distante
ou no terraço desse edifício em frente,
talvez estejas vindo ao meu encontro, sem o saberes,
misturada às pessoas que vejo ao longo da Avenida.
Mas que esperança! Tenho
uma chance em quatro milhões.
Ah, se ao menos fosses mil
disseminada pela cidade.

A noite se ergue comercial
nas constelações da avenida.
Sem qualquer esperança
continuo
e meu coração vai repetindo teu nome
abafado pelo barulho dos motores
solto ao fumo da gasolina queimada.

Ferreira Gullar, in: Dentro da Noite Veloz / 1966

4 comentários:

  1. Ferreira Gullar é meu poeta de agenda. Sempre tem algo dele lá a lembrar-me ilusões minhas.

    "Sem qualquer esperança
    continuo
    e meu coração vai repetindo teu nome" (...)

    Abril viveu essas ilusões...
    bacio

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  2. Quem deseja, inventa a presença.

    =*

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  3. Sem esperança, todavia com muito desejo!

    Moça, obrigada pela visita no meu fotoblog. És sempre bem-vinda!

    Bjos!

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  4. Ferreira Gullar é incrível, de fato! PARABÉNS pelo blog!

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