segunda-feira, 4 de abril de 2011

– É assim mesmo - eu disse,

- O mundo fora de minha cabeça tem janelas, telhados, nuvens e aqueles bichos brancos lá embaixo. Sobre eles, não se detenhas demasiado, pois correrás o risco de transpassá-los com o olhar ou ver neles o que eles próprios não vêem, e isso seria tão perigoso para ti quanto para mim violar sepulcros seculares, mas, sendo uma borboleta, não será muito difícil evitá-lo: bastará esvoaçar sobre as cabeças, nunca pousar nelas, pois pousando correrás o risco de ser novamente envolvida pelos cabelos e reabsorvida pelos cérebros pantanosos e, se isso for inevitável, por descuido ou aventura, não deverás te torturar demasiado, de nada adiantaria, procura acalmar-te e deslizar para dentro dos tais cérebros o mais suavemente possível, para não seres triturada pelas arestas dos pensamentos, e tudo é natural, basta não teres medos excessivos - trata-se apenas de preservar o azul das tuas asas. [...]

Caio Fernando Abreu, in: Pedras de Calcutá. Ed. Agir

Um comentário:

  1. Quando em nossas mentes esvoaçam fragmentos de pensamentos em metáforas, podemos abrir as nossas portas de aventuras...

    Acho perfeita a poesia do Abreu.

    Abraços pra ti

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