- Clarice?
- Não me chame de Clarice. Nunca mais.
- Não entendo.
- Se já não me ama, não me volte a chamar pelo nome.
Que lhe interessava ter um nome se ele amava outra pessoa?
O nome é uma luz que um coração acende. E Clarice queria ficar no escuro, desluada, para não enxergar a sua própria existência.
E ele, hesitante, cada palavra tacteando o silêncio:
- Desculpe, Clarice, chamo-lhe como, então?
- Chame-me de "meu ex-amor".
O homem gaguejou: não podia, não sabia, não queria. Sacudiu a cabeça, cabisbaixo, vencido.
- Como não consegue?
- Simplesmente, não sou capaz.
- É simples, são duas palavras, quase uma. Repita comigo: ex-amor.
Clarice sabia: amar é verbo sem passado. Uma vez tendo amado nunca mais se deixa de amar. Com inesperada segurança ela repetiu: que não existe o ter amado, nem o ter vivido. Amar e viver são verbos sem pretérito.
- Amar, João, é sempre um infinitivo. Por isso, João, você ainda me ama.
João Rosa não acreditava no que escutava. Menos ainda no que enxergava: os olhos dela não espelham tristeza nem saudade.
[...]
- Talvez você não saiba, João. Mas você ainda me ama.
Amava mesmo sem nenhum amor. Amar, amar sempre. Mesmo depois de já haver peito, o coração prossegue mesmo depois de se extinguir a última lembrança.
Mia Couto, in: do conto: Olhos nus Olhos / Essa História está Diferente: dez contos para canções de Chico Buarque. Ed. Companhia das Letras
- Não me chame de Clarice. Nunca mais.
- Não entendo.
- Se já não me ama, não me volte a chamar pelo nome.
Que lhe interessava ter um nome se ele amava outra pessoa?
O nome é uma luz que um coração acende. E Clarice queria ficar no escuro, desluada, para não enxergar a sua própria existência.
E ele, hesitante, cada palavra tacteando o silêncio:
- Desculpe, Clarice, chamo-lhe como, então?
- Chame-me de "meu ex-amor".
O homem gaguejou: não podia, não sabia, não queria. Sacudiu a cabeça, cabisbaixo, vencido.
- Como não consegue?
- Simplesmente, não sou capaz.
- É simples, são duas palavras, quase uma. Repita comigo: ex-amor.
Clarice sabia: amar é verbo sem passado. Uma vez tendo amado nunca mais se deixa de amar. Com inesperada segurança ela repetiu: que não existe o ter amado, nem o ter vivido. Amar e viver são verbos sem pretérito.
- Amar, João, é sempre um infinitivo. Por isso, João, você ainda me ama.
João Rosa não acreditava no que escutava. Menos ainda no que enxergava: os olhos dela não espelham tristeza nem saudade.
[...]
- Talvez você não saiba, João. Mas você ainda me ama.
Amava mesmo sem nenhum amor. Amar, amar sempre. Mesmo depois de já haver peito, o coração prossegue mesmo depois de se extinguir a última lembrança.
Mia Couto, in: do conto: Olhos nus Olhos / Essa História está Diferente: dez contos para canções de Chico Buarque. Ed. Companhia das Letras
Que lindo, gente! Tão terno...
ResponderExcluirNossa, que... sem palavras. Eu amo esse lugar. Quero esse livro!
ResponderExcluirUm beeeijo!
Amar sem amor, hmmm...
ResponderExcluirE o Amor é assm... Sei-la Como!
ResponderExcluir=D
Amo teu blog *-*
ResponderExcluirLeio sempre, mas, por falta de tempo, só agora estou comentando.
Mas agora sigo e recomendo ;)
Abraço
Mia Couto é um reinventor da linguagem. Sempre saio arejada ao lê-lo.
ResponderExcluirMeu Deus, que blog lindo! Estou encantada! Muita paz e luz! Abraços.
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