quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

um por um

É grande. É de uma grandeza imensa é de uma imensidão gravíssima é de uma grandeza definitiva algo irreversível. É grande como continentes como áfricas inteiras como as cores maiores nos mapas como o oriente extremo fica longe é de uma distância crua e canônica.

É grande quase impensável aqui.

É também gelado. É também daquele frio desconsolo que vem colado à amplitude murcha das solidões à concretude aguda das solidões. É frio de paisagem onde os brancos imorredouros vencem onde se estremece no espanto de cada passo (movimento) onde o abandono é tamanho que se fica que se prefere ficar imóvel mesmo imóvel completamente com medo dos gestos significarem um demais (cena de No?) pois sejam mesmo os menores parecem perigosíssimos os gestos adquirem dimensões imprevisíveis sobre este pano de fundo. E pode parecer sacrifício pode parecer mortificação flagelo engano imolação. Aqui. É frio de pólo é frio de cume nevado é frio que ameaça as extremidades do seu corpo põe em perigo cartilagens líquidos medulares sigilos gomos e toma até o caroço.

É frio máximo aqui.

E é também quente da quentura das febres de graus elevadíssimos de assustadores suores é inferno com o fogo dessagrado infinito lambendo oscilando e mesmo se divertindo (cínico?). É calor de atacamas são saaras são chamas num balé desguarnecido de senso que avançam deixando cinzas é incontrolável. É calor de sede implacável é a crônica completa do objeto se deformando ao sol do meio-dia eterno perpétuo desbotamento em definitivo a se desmanchar em capítulos longuíssimos em detalhes intermináveis e ainda adendos.

É calor de um desespero aqui.

Aqui os meus olhos escorrem meus olhos choram-se a si porque é escuro de adaga e triste. É também um silêncio conforme conformado é ausência de sons expressivos aquilo que faz ouvidos escutarem uma melodia flébil e cambaleante uma melodia fosca e toda desprotegida nua mesmo tosca e risível. Nenhum respirar se ouve aqui. Só o barulho da calha o barulho remoto de um cachorro longe só a água nos canos só o relógio da cozinha.

Aqui é a minha miséria. É o meu palco e o monólogo que decoro e desaprendo. É a minha cara no vidro. É a minha roupa suja.

Aqui é a solidão do cavalo na confusão da batalha sem seu cavaleiro, o destino da rolha daquela garrafa vazia dois dias depois da festa, a aflição do rato ao sair da toca e neva por todo o mundo e ele vê a neve implacável por tudo e não sabe o que terá para comer. A solidão as fotos de quem nunca mais existe e de quem ninguém mais lembra o nome e lá está naquela foto do álbum capa aveludada o rosto sorrindo eterno na pose destinada a um sempre. O pianista tocando no teatro de aluguel caríssimo onde só três cabeças a assistir o scherzo e a perfeição do staccato.

Aqui é a minha cama.

A minha cama é grande é desertíssima é minguante. Tem a grandeza que eu disse tem o frio que eu disse tem exatamente aquele (este) calor que eu quis dizer. Aqui é a minha história do corpo - páginas onde o meu prazer oco e insípido feito só com as mãos. Aqui a minha história do espírito páginas rasas (serão amassadas) registro de gritos invisíveis que não inauguram discurso nem próximos parágrafos e nem sequer um travessão. O despropósito dos espinhos. Aqui é a minha cama. É um espaço que desafia as leis da geometria é a equação complicadíssima que acaba dando sempre apenas um. Onde toda noite a mesma noite. A geografia recomeça o canto a capela se repete o relógio insiste e evidencia a eternidade dos segundos. Arena onde se depõe as armas os desejos de emergência inútil.

E eu cumpro a instância do iniciado que encontra segredos na excrescência aqui eu cumpro a prática de uma ressurreição: a cada noite eu trago um punhado de esmeraldas dálias ramos e orvalho, saldo melhor do dia, pra morrer de uma lenta morte morrida - bem aqui.

Luci Collin

3 comentários:

  1. Primeiramente..foi lindo ler "que aconteça alguma coisa bem bonita pra você"
    e adorei ler aqui, obrigado pela visita.
    Voltarei sempre que postar!

    um beijo

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  2. Em uma semana musical... brindemos com Joyce esse texto tão bonito!

    Mistérios
    Composição: Joyce e Maurício Maestro

    Um fogo queimou dentro de mim
    Que não tem mais jeito de se apagar
    Nem mesmo com toda água do mar
    Preciso aprender os mistérios do fogo pra te incendiar
    Um rio passou dentro de mim
    Que eu não tive jeito de atravessar
    Preciso um navio pra me levar
    Preciso aprender os mistérios do rio pra te navegar
    Vida breve, natureza
    Quem mandou, coração?
    Um vento bateu dentro de mim
    Que eu não tive jeito de segurar
    A vida passou pra me carregar
    Preciso aprender os mistérios do mundo pra te ensinar


    Tem algo mais poderoso e maior que todos os fenômenos da natureza?
    Sim,há chama-se amor... falado e cantado por tantos, multidões experimentam e descrevem o contado com esse poderoso fenômeno!
    Várias ramificações... para chegar sempre ao mesmo lugar!
    Carpe diem!

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  3. Que texto bonito querida. Gostei muito.

    bjos

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