terça-feira, 12 de outubro de 2010

A Nair Abreu

Sampa, 11.8.78

Querida mãe, tô sem tempo pruma carta. Mas tá tudo bem. Comecei hoje a fazer psicodrama, tô contente. Olhe, por favor, não se preocupe com o $. Mesmo. Tá tudo bem. Tô feliz com os 30: acho que fiz tudo do jeito melhor, meio torto, talvez, mas tenho tentado da maneira mais bonita que sei. Até uma carta, vai outro poema daquela mineira, a Adélia Prado, que eu já tinha mandado um pra senhora.
Pense nele quando a senhora tiver muitos problemas. E se poupe.

ENSINAMENTO
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

Terminei a peça teatral que eu vinha escrevendo há dois anos. Chama- se Zona contaminada. Voltei a escrever! Não vou parar nunca, por mais inútil que seja (e talvez não seja). Beijos pra todos. Seu filho e amigo

Caio

PS — Mudou o número do telefone daqui: 64-76-54

Caio Fernando Abreu, in: O Essencial da Década de 70. Ed. Agir

3 comentários:

  1. Gosto daqui porque te sinto em cada canto, em cada vírgula.

    Tão bom te sentir, tão bom te amar...

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