segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Mosaico de rancores: capítulo 24

Magritte
Meu corpo são cavalos arredios e sem freios, são ladeiras esperando precipícios, suicidas à beira do abismo. Meu ventre inchado ferve e eu espero lavas. Imagino a agilidade das mãos de Lúcio me tocando. Acordes e guitarras. Cifras e letras e posições. Lençóis e retalhos e migalhas de amores amanhecidos. Ele não está aqui e meus dedos parecem frágeis demais. Cafés em xícaras de porcelana. A noite está clara e me oferece mundos fáceis de manejar. Tudo está enquadrado em uma foto que não posso ver. O mundo perfeito das idéias. Enquanto ele cria universos, eu vivo entre marionetes sujas, amputadas e mortas. Anões me observam. Penso no sofrimento que não me fez maior nem mais forte, apenas atrofiou meus sonhos. Sinto a quentura da boca do leão que não me devorou. Angústias oferecidas em copo americano, para ser tomada em grandes goles. Esbarro em pessoas, entro. O bar cheira cigarro, bebida, suor e traição. Judas troca sua vida por dez reais e uma tragada. Sento sozinha na primeira mesa que tropeço. Agora espero paciente uma serpente se enrolar feito venda em meus olhos. Rios verdes deságuam no meu sexo. Guardo nas minhas impressões digitais minúsculas pedras vulcânicas. Desejo mãos imperfeitas devorando e corrompendo meus seios.

Marcia Barbieri

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