quinta-feira, 22 de julho de 2010

A Adriana Calcanhotto

Saint‐Nazaire, 16.12.92

Deusa querida e distante,

impossível não pensar em você bebendo literalmente litros de água Perrier todo o dia — o aquecimento seca horrores a pele! —, mas não só por isso. Também procuro as cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo (vi uma autêntica na Fnac, em Paris!), que aqui, neste porto de mar na Bretagne, entre Nantes e Brest, a cidade de Querelle, são bastante raras. São mais cores de Agnés Varda, cores de Gustav Klimt.

Tua fita — da qual não me separo há meses — faz sucesso por aqui. Mal posso ouvi-la. Alain Keruzoré, meu tradutor, passou para Bernard Soubourou, que sabe tudo sobre — imagina — Tânia Alves, que passou para Marie Pierre. Hoje saio na batalha, não quero ficar sem ela.

Te mando dois recortes, um deles fala em você. Mas ai, os-modernos-e-seus-segundos- cadernos são iguais em tout le monde. Ele faz uma confusão entre aquela Penélope que você musicou e um conto que Claire Cayron traduziu. Bom, não importa. Anyway, você está presente no texto — uma pequena novela — que escrevo no momento para deixar aqui, será publicada pela Arcane 17.

Fico até 31.12 neste apartamento enorme, debruçado no porto de mar, com uma vista de 360 graus e uma paisagem que, estranhamente, lembra Porto Alegre, Manhattan, Florianópolis e a ponte Rio-Niterói (com Saint-Brévin les Pins do outro lado da baía). Depois vou a Amsterdam, Kóln e Frankfurt, para leituras, tradutores, agentes. Acho que volto em fevereiro — mas não sei ao certo, houve um problema com meu ap. em SP na minha ausência e, anyway, tenho que estar na Alemanha outra vez em junho. Tenho pensado que só agora compreendo o sentido exato da expressão "minha pátria é minha língua".

Passei o domingo, ontem, comendo ostras, bebendo vinho branco e ouvindo Jane Birkin cantando as canções de Serge Gainsbourg. Você ia adorar Norma Jean Baker. Vou levar a fita. Fiz amizade forte com a filha de Christian, o diretor da Maison — chama-se Marina, tem 9 anos, é Virgoem em ascendente Capricórnio e tem absolutamente tudo de Van Gogh. É quem tem me dado as melhores aulas de francês.

Andei muito cadela no Brasil. Milhares de problemas, nada grave. Seu disco — deixei um recado na sua gravadora — me ajudou muito. Tem ajudado, é sincero & comovido o que te digo.

Sábado tem show de Marina em Paris. Pensei em ir, mas fui recrutado para participar de uns debates com os escritores do Báltico — Lituânia, Estônia, Letônia, imagina — seria feio faltar. Outro dia acordei com vontade de ouvir Elis e encontrei um cassete no Centro — tem Folhas secas.

Te mando uma folha de outono.

E todo carinho, e toda a energia para você continuar seu trabalho.

Je t'embrasse, love
love
love


Caio F.

PS — Às 13h vejo Isaura na TV: Lucélia falando em francês é hilário! Logo depois tem Dona Beija — mas aí é demais para minha beleza.
PS 2 — Torci tanto por Benedita da Silva. Sábado, no Liberation saiu um perfil dela chamando-a de "La madona des favelas". Desta distância, lanço meu olhar sobre o Brasil e entendo ainda menos...
PS 3 — Estou cantando Anne Dusquenois, que produz Marina, para trazer você.
PS 4 — Brigitte Bardot tentou o suicídio com barbitúricos, ontem!
PS 5 — Comentário na TV sobre Lady Di: "Bem, se os ingleses não querem saber dela, nós, franceses, podemos dar um jeito..."

Caio Fernando Abreu, in: O Essencial da Década de 90. Ed. Agir

11 comentários:

  1. Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, que lindoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo!
    Ameiiiiiiiiiii isso, ameiiiiiiiiii.
    Sabe..Caio me emociona tanto. Não conhecia essa carta./
    Mas ele era tão centrado, carinhoso, emotivo, saudoso, GENTE com os amigos...com a vida, com o cosmos.
    Que faltaaaaaaaaaaaaa meu Deus...
    E quando ele diz de folhas secas da Elis...ai eu choro mesmo.
    Essa música dela marca alguma coisa na minha alma, que eu não sei ainda o que é...não que me doa, mas mexe demais comigo...

    Você é lindaaaaaaaaaaaaa sabia?
    Obrigada por esse texto tão lindooooooooooooo.

    Um abraço do tamanho do mundooooo!!!

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  2. Caio é tudo de bom, me identifico nas coisas escritas por ele*--*

    Beijão moça!

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  3. Andei muito cadela, hahaha.

    Só ele mesmo...

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  4. É sempre bom te visitar. Teu blog é lindo!
    Beijos

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  5. Adorei seu blog! Post lindo...

    Fico feliz quando pessoas entram e comentam no Giz Colorido, um blog simples, mas com um coração enorme...
    é sempre bem vinda lá!

    Beijo, Lu
    Giz Colorido

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  6. Huuum, biblioteeca!! :D

    Muito boa idéia, aos poucos vou me acostumando, ah, eu também sou assim, nunca acho nada que me adapto, que fique com a cara que eu pretendo deixar...

    Senti falta das folhas (apesar delas terem murchado), mas terei prazer em ler estes livros! *----*

    Belo post, cartas são sempre comoventes e o lugar onde ele estava propicía isso, esse ar eropeu, ahhh..

    Enfim, volta e meia apareço por aqui, apesar do tempo que voa, e como voa!

    Beijos Flor, é muito bom, muito mesmo, está por aqui, adoro seu trabalho! *-*

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  7. Quanta energia deve ter numa folha enviada assim...

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  8. Oi.. obrigada pela visita lá no blog. Vou olhar o seu com carinho também.
    Se gosta de literatura, tenho outro que é http://bompraler.blogspot.com. Quem sabe vc me passa umas dicas de livros?

    Abraço.
    Geovana (http://www.meninorude.blogspot.com)

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  9. ai, chorei.
    que coisa mais linda isso!
    caio f. abreu é mesmo irrepreensível.

    parabéns pela sensibilidade na postagem.

    beijos.

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  10. Será possível obter o contacto do Bernard Soubourou?

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