segunda-feira, 10 de maio de 2010

O pensamento da gente é a coisa mais rápida que existe. Tenho a impressão de que não tenho mais nenhuma missão a cumprir, de que minha vida está sem projeto a realizar. Sinto, agora, uma enorme preguiça e deixo-me ficar ouvindo os sons da noite. Alguns vêm da rua, mas a esses eu não dou importância. Os sons realmente graves vêm de dentro de casa. A maioria não é identificável. Fantasmas? Acabo de ouvir um rangido, mas ele não me deixa apreensivo; entrego-me às baratas. Ladrões? Estou tão cansado que já não quero saber de nada. Que roubem tudo. Que me matem; assustar já não me assustam. Uma porta bateu. Fico com ouvidos de tuberculoso: ouço o tique-taque do relógio de pulso na mesa-de-cabeceira. Fechei as portas? Não quero mais pensar nisso. Passei a vida pensando em fechar portas. De qualquer maneira, apesar da enorme dúvida, sei que as fechei. E também janelas, basculantes, tudo. Tudo fechado. Mas ouço um barulho diferente. Talvez pés levíssimos levando um corpo franzino, e um outro coração batendo, e outro pulmão respirando. Não pensarei mais no passado. Sei.

Rubem Fonseca, in: Os Prisioneiros / 64 Contos de Rubem Fonseca. Ed. Companhia das Letras

5 comentários:

  1. Sou fã desse blog! *-*

    Todo dia estou aqui. :D

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  2. Lembrei de uma piada de portugues sobre pensamento, mas é horrivel a piada.

    Gosto das coisas que vc seleciona pro seu blog.

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  3. Não pensarei mais no passado.



    Bom, bom seria.

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  4. Obrigada pela visita

    Há muita suavidade por aqui também.

    A gente se vê no ar.

    Um beijo

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