segunda-feira, 17 de maio de 2010

DeviantArt_Scarabuss
Ah, mas para se chegar à mudez, que grande esforço da voz. Minha voz é o modo como vou buscar a realidade; a realidade, antes da minha linguagem, existia como um pensamento que não se pensa, mas por fatalidade fui e sou impelida a precisar saber o que o pensamento pensa. A realidade antecede a voz que a procura, mas como a terra antecede a árvore, mas como o mundo antecede o homem, mas como o mar antecede a visão do mar, a vida antecede amor, a matéria do corpo antecede o corpo, e por sua vez a linguagem um dia terá antecedido a posse do silêncio.

Eu tenho à medida que designo - e este é o esplendor de se ter uma linguagem. Mas eu tenho muito mais à medida que não consigo designar. A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la - e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que eu não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é meu esforço humano. Por destino volto com as mãos vazias. Mas - volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.

Clarice Lispector, in: Água Viva. Ed. Círculo do Livro

3 comentários:

  1. Está aí uma pessoa que não pisou em seu próprio canto...

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  2. A metalinguagem incrível que ela faz para dissociar imagem e palavra é incrível...
    Clarice nos fala do "quase", do "it", aquilo do qual não nomeamos exatamente mas sentimos, sem ao menos conseguir transcrever....

    Um cheiro!
    Mell

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  3. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.


    Este trecho tocou-me profundamente.

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