quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Sodoma

Corria.
O pensamento sem fôlego tentava registrar todos os seus abandonos. Corria. O que que era mais desespero deixar para longe: um pé de figo, lua cadente, vestido carmim, uma esquina, uma escada — corria — um terço de caroços de azeitona, anel de pedra falsa, colônia barata, xícara sem asa, algumas roupas de baixo, três ou quatro retratos — corria — discos, livros, assombros, avencas ao vento, musgo, um jardim, uma janela. Corria ao lado de A, pensando em B. Aquelas tardes de cores lentas sussurros incendiando o silêncio risadas lambuzadas a sua língua a minha língua nunca mais as suas mãos. Onde a vertigem? Corria. Relâmpagos matam mais do que vulcões, furacões e terremotos. Corria com A. Correria com A pelo resto da vida. Qual vida qual vida qual vida qual? Para sempre, tão iguais como o são uma saracura e um ramo de alecrim. Corria. Os dias monótonos medíocres — suava — os discursos insossos as noites inapetentes. Entre a sombra e a sombra, para sempre. Qual vida? Qual? Corria.

Num repente, a valentia, última chance: olhou para trás.

Pronto.

Agora, estátua de sal. E a sede.

Silvana Guimarães

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