Fecho os olhos e está tudo dentro de mim:
a casa, o homem sem pernas e sem braços,
a música. E as sombras, claro. Atravessei
muitas vezes as sombras, escrevi-as
em pensamentos que decidi não publicar.
Há um tempo que continua e há um tempo
que permanece. No mundo tangível,
refém de notícias de jornal e de misérias,
a escrava envelheceu. Mas dentro de mim,
terá sempre a pele constante dos sussurros.
Há dias em que me suplica para ser escrita,
fala-me de calicatri, tenta hipnotizar-me.
Mas agora sou adulto e tenho medo,
também eu sou cativo de alguma coisa
que levo no meu interior. Sim, o abismo
de estar dentro de mim a estar dentro
de mim a estar dentro de mim, como
um espelho a refletir outro espelho,
como uma explicação da eternidade.
Mas um dia, vais ver, abrirei o peito
às invasões, às espadas, ao sangue,
e toda a verdade será rasgada e exposta.
A luz e a escuridão. Sempre essa guerra:
a luz e a escuridão.
José Luís Peixoto, in: Regresso a casa. Ed. Dublinense
quarta-feira, 29 de dezembro de 2021
Uma casa na escuridão
Adrien Merigeau
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