sábado, 25 de julho de 2015

A Luciano Alabarse

Giorgio Barrera
SP 18.07.1989

Luciano, querido,
mal tenho tido tempo pra mim mesmo. Ginásticas pra sobreviver, um livro novo querendo nascer (será que consigo?) e coisas e pessoas e a vida girando meio rápido demais. Tento ficar em casa, às vezes consigo. Hoje, por exemplo. Acaba de anoitecer, tô ouvindo blues com conhaque, flores amarelas, uma foto de James Dean. Tudo em volta tão calmo, mas tão calmo e eterno como se Nara Leão nem tivesse morrido. Ando digamos que feliz, mas tão só e às vezes um pouco frágil. Acabo de sair de um “vírus inespecífico”, parecia hepatite, não era. A médica diz que a cidade tá toda assim, envenenada, virulenta. E você já viu The dead, de John Huston? E A outra, de Woody Allen? Já leu As horas nuas da Lygia? E aprendeu o refrão de Beco’s blues, de Raul Ellwanger, com a Flora? Ando bem, meu amigo. Uma certa fama “excessiva” que é um verdadeiro lixo, te expõe as najices inacreditáveis. Mas fico em casa, de salto bem alto, gardênia no decote e luvas de canos longos, bem sophisticated lady. Trabalho e trabalho e não paro. Gosto do céu azul de inverno, rezo toda noite e repito como é bom, como é bom, Senhor, poder tocar um instrumento. Quando apareces para matarmos esta saudade? Beijo grande do seu,
 
Caio F.

Caio Fernando Abreu, in: Cartas. Org. Italo Moriconi. Ed. Aeroplano

Nenhum comentário:

Postar um comentário