Clarice,
Estou muito triste por ter passado muito tempo sem te escrever e não ter ainda respondido à sua carta. Não me esqueci.
[...]
Por que estou me lembrando dessas coisas? Porque estou com saudade, saudade dos meus amigos entre os quais você naturalmente está incluída, saudade de uma rua e de um nome, de um jeito de olhar que eu já tive, da voz de minha mãe me chamando para o almoço. Estamos no inverno. Você se diz no outono mas só me lembro de uma tarde rebelde a todas as estações que um dia te trouxe numa ventania lá perto do Cinema Odeon. Depois havia um romance italiano em que a porta se abria e o vento entrava sem pedir licença. Na Suiça deve haver muito vento, há muito vento nas praias guanabarinas das quais você é Emily Brontë, segundo o Tristão. Suas cartas são trazidas pelo vento; quando você fala em maçãs redondas e vermelhas, o vento deve estar sorrindo e ventando. Clarice, não me vá escrever E O Vento Levou!
[...]
Você me pergunta por que hesito a cada carta em mandá-la. Não tire disso conclusões pessimistas a respeito da destinatária. Hesito simplesmente porque acho pouco delicado eu escrever cartas tão longas, as suas sendo tão mais curtas. Mas nessa não hesito: peço apenas que você me responda logo, com muitas notícias, contando muitos casos. E me apresso em colocar o ponto final, com um abraço de saudade.
Fernando
Fernando Sabino e Clarice Lispector, in: Cartas Perto do Coração. Ed. Record
Aahhh... que maravilha, esse livro e unico. Chegar a dar um pudor ao ler coisas tao intimas.
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