domingo, 5 de agosto de 2012

Tá deitadão, bicho?

Hilda Hilst
Os poetas deviam mais é ficar sempre em silêncio. Porque falar a verdade pode lhes custar a cabeça. A vida. Não foi sempre assim? Jeshua falava por parábolas quando não queria ser imediatamente compreendido. E assim aconteceu aquilo: a cruz. A carnificina.

Era uma vez um gigante, lindo, lindo, que adormeceu no meio da floresta. Então chegou um de língua enrolada e sussurou ao gigante: vossa excelência me permite de lhe ir ao fiofó? O gigante nem ouviu. Tava ali, puxando um ronco. De bruços, naturalmente. O de língua enrolada repetiu: me permite? E foi. Há muito tempo que milhões tão passando por ele. O fiofó do gigante tá assim ó (visualizar através de meditação zen uma circunferência descomunal e dentro o símbolo do infinito: aquele oito deitadão).

Jorge de Lima: "O céu jamais me dê a tentação funesta de adormecer ao léu na lomba da floresta".

Também é estranho isso de homens públicos se demitirem de altos cargos por inconfessáveis razões pessoais. Nós, que somos a caterva, tentamos adivinhar: serão hemorróidas?

A VERDADE É
NECESSÁRIA
DIANTE DO
ABSURDO.

Outra coisa (ou a mesma). Não encham mais o saco dos fumantes atordoando-os com isso de que cigarro mata. Tudo mata, negada. Além de você não poder mais fumar foder beber comer, o que mata mesmo é a mentira, o faz-de-conta, a cara-de-pau, "os cavalinhos correndo" e eles cavalões comendo, trocando trocados atrás das portas (ó grandes vendilhões!), o que mata é sem-vergonhice, coligações de aço, grilhões, esses impossíveis de romper, o cara atrás de você, te seguindo os passos, te cobrando adoidado, bufando atrás de você, a mala vazia na mão esperando pra você encher e você desesperado gritando: não tenho um tostão, me poupe, negão! E o cara esfacelando teus artelhos e você sapateando... e tiraços por todos os lados...

Cadê aqueles caras todos, tão escorreitos, humanistas, estadistas, sociólogos, economistas, aqueles limpos doutores que eu amava? Cadê vocês? Deflorados na serra? Ou era Floradas na serra o nome daquele livro de amor? Cadê vocês, hoje presidente e ministros?

Bom Ukulelê! (Ukulelê é um instrumento de música...)

(domingo, 4 de junho de 1995)

Hilda Hilst, in: Cascos & Carícias & Outras Crônicas. Ed. Globo

Um comentário:

  1. Amiga Querida,
    Que saudades! Está tudo bem?
    Passando para ler e admirar este espaço tão maravilhoso, que da mesma forma que declama a
    poesia, sabe gritar a crítica quando necessária.
    Aparece no meu cantinho, tenho novidades!
    Um beijo

    ResponderExcluir