quarta-feira, 25 de julho de 2012

Paisagem com grão de areia

sippanont samchai
Nós o chamamos de grão de areia,
mas ele não se considera nem grão nem areia.
Vive perfeitamente bem sem um nome,
seja genérico, particular,
provisório, permanente,
incorreto ou preciso.

Nosso olhar, nosso toque nada significam para ele.
Ele não se sente observado e tocado.
E o fato de que caiu no parapeito
é uma experiência nossa, não dele.
Poderia cair em qualquer outro lugar,
sem saber se parou de cair
ou se continua caindo.

A janela tem uma bela vista do lago,
mas a vista não se vê a si mesma.
Ela existe nesse mundo
sem cor, sem formato,
sem som, sem cheiro e sem dor.

O fundo do lago existe sem chão
e sua margem, sem beira.
Sua água não se sente nem seca nem molhada
e suas ondas nem uma nem muitas.
Elas quebram surdas a seu próprio barulho
em pedras nem grandes nem pequenas.

E tudo isso sob um céu que por natureza não é céu,
onde o sol se põe sem se pôr
e se esconde sem se esconder por trás de uma nuvem indiferente,
agitada por um vento
que sopra apenas por soprar.

Um segundo passa.
Outro.
Um terceiro.
Mas esses três segundos são apenas nossos.

O tempo passou feito um mensageiro com notícias urgentes.
Mas isso é apenas nossa símile.
O personagem é inventado, sua pressa imaginária,
sua notícia desumana.

Wislawa Szymborska / Tradução de Sylvio Fraga Neto e Danuta Haczynska da Nóbrega

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