sábado, 28 de janeiro de 2012

(90.)

Como Esquecer
A gente fala é pra fundar memória, ou seja, pra esquecer o inesquecível, pra não lembrar das coisas muito importantes, muito belas, muito horrendas, não tecíveis, não nomeáveis, não nós, desnoveladas, somente nuas e elas próprias. A gente fala pra poder discutir se Deus existe ou não, pra se perguntar o que é a vida, pra falar do pai, da mãe, pra bendizer a filha, pra conversar e versar acerca das mãos roxas da avó morta, da solidão da criança diante disso. A gente fala pra oralizar o corpo, dizê-lo, torná-lo imaginariamente som e forma ecoando para sempre, para o ser humano, sempre curto, mas de um doloroso quase suportável, um pouquinho apenas mais do que farpa entre unha e carne. Sol entalado no coração - que coisa mais bela o indizível - empalavrado, permanecendo indizível.

Wesley Peres, in: Casa entre Vértebras. Ed. Record

4 comentários:

  1. É... "A gente fala é pra fundar memória". E escreve pra eternizar o inesquecível, né? Wesley me parece usar a palavra feito uma lâmina, dissecando significados. É tanta coisa sendo dita ao mesmo tempo... Como "sol entalado no coração". Adoro essa forma de conduzir do Wesley.

    Amei o fragmento escolhido.

    Beijos

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  2. Muito bem escrito, filosofia. Um abraço, Yayá.

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  3. Poxa vida, que trecho bonito!

    Linda escolha, Jeni! Gostei muito:

    "(...) Sol entalado no coração - que coisa mais bela o indizível - empalavrado, permanecendo indizível."

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  4. a gente fala porque o silêncio é pior...

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