Lá no fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure o relógio com uma mão, pegue com dois dedos o pino da corda, puxe-o suavemente. Agora se abre outro prazo, as árvores soltam suas folhas, os barcos correm regata, o tempo como um leque vai se enchendo de si mesmo e dele brotam o ar, as brisas da terra, a sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Que mais quer, que mais quer? Amarre-o depressa a seu pulso, deixe-o bater em liberdade, imite-o anelante. O medo enferruja as âncoras, cada coisa que pode ser alcançada e foi esquecida começa a corroer as veias do relógio, gangrenando o frio sangue de seus pequenos rubis. E lá no fundo está a morte se não corremos, e chegamos antes e compreendemos que já não tem importância.
Julio Cortázar, in: Histórias de Cronópios e de Famas. Tradução de Gloria Rodríguez. Ed. Civilização Brasileira
Tempo, eis o senhor...
ResponderExcluirGostei do trecho! :) Ainda chegarei neste livro.
baiser:*
Jeni-Jeni :)
ResponderExcluirCortázar é uma revolução em meus sentidos...
ResponderExcluirGostei do trecho desse livro, lá vai mais um para a lista. rs Ai meus sais...
ResponderExcluirbacio
Incrível! CortázarDivo.
ResponderExcluirA metáfora do relógio é uma velha conhecida da literatura; aparece em Eliot, em Borges, em Murilo Mendes... Só Cortázar mesmo poderia subvertê-la; transformar os rubis em sangue gangrenado... demais...
ResponderExcluirAchei este trecho tão significativo...
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