domingo, 17 de abril de 2011

Chove muito, mais, sempre mais...

Há como que uma coisa que vai desabar no exterior negro...

Todo amontoado irregular e montanhoso da cidade parece-me hoje uma planície, uma planície de chuva. Por onde quer que alongue os olhos tudo é cor de chuva, negro pálido.

Tenho sensações estranhas, todas elas frias. Ora me parece que a paisagem essencial é bruma, e que as casas são a bruma que a vela.

Uma espécie de anteneurose do que serei quando já não for gela-me corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura arrepia-me de dentro. Numa névoa de intuição, sinto-me, matéria morta, caído na chuva, gemido pelo vento. E o frio do que não sentirei morde o coração actual.

Fernando Pessoa, in: O Livro do Desassossego. Ed. Companhia das Letras

4 comentários:

  1. "Tenho sensações estranhas, todas elas frias."

    Nossa, tenho sentido... frio...

    Mas seu blog parece-me, às vezes, uma fagulha.

    Espero que a umidade dos meus olhos diminuam pra q, novamente, essa fagulha me acenda.

    ResponderExcluir
  2. Sensações frias...

    Que triste!


    Pessoa sempre tão lindo,

    ResponderExcluir
  3. Pessoa tantas vezes adivinha-me a alma...

    Um beijo,

    Talita
    História da minha alma

    ResponderExcluir