domingo, 6 de fevereiro de 2011

ausência

Gustav Klimt
Amou tanto, daquele amor danado e romântico, que pensou morrer quando ele se fez névoa de passado, daquelas densas, tal a perfeição de sua partida. Quase arte de feitiçaria, que parecia ele não querer lhe deixar nem a lembrança do rosto, nem o cheiro amadeirado, nem o toque macio do lábio. Ela de quase nada se lembrava, nada quase, apenas sensações lhe indicavam que existira alguém. Nos armários nada havia que indicasse sua passagem. Tivera o cuidado de levar consigo tudo que comprovasse a dor que lhe causara. Nunca recebera um mimo, sequer uma frágil flor apanhada nas margens da estrada. Estranhara até. Banalidades, dissera a si, em silêncio magoado. Nunca a encontrara a luz do dia, alegava falta de tempo, compromissos. Não conhecera a verdadeira cor da sua pele. O acordar fora sempre solitário. Quando abria os olhos, via o vazio ao seu lado, em todo o quarto. Começou a odiar a luz que o distanciava, e ansiava pela noite. Ela, que sempre odiara o passar das horas, e se lamentava com o passar dos dias, esperava a morte desses, vendo com prazer o sol se desfazendo entre as nuvens. Conhecia todos os mistérios que a lua poderia oferecer. Ninguém o conhecia. Quando queria apresentá-lo a alguém, olhava ao seu lado e ele já não estava. Voltava depois dizendo que fora comprar algo, com as mãos limpas. Nunca atentara para o absurdo da mesma desculpa. Um dia se despediu como de hábito, e nunca mais voltou. Ao mesmo tempo em que ela sentia sua ausência, procurava pistas de sua existência, pois começava a duvidar de suas lembranças. Elas não lhe permitiam visualizar seu rosto. Saía todas as noites, o que a fazia sentir-se mais próxima, como a afagar uma velha camisa. Acariciava os lugares onde haviam estado, o espaço vazio onde seu corpo repousara, conseguia visualizar algo. Às vezes um choro sentido escapava de seus olhos, tremia-lhe ligeiramente os lábios. Levantou-se um dia e forçou-se a olhar pela janela. O sol da primavera que chegava. O inverno havia passado. Não perdera tanto sol. Colheu uma rosa molhada de orvalho que crescia junto à janela e acariciou os olhos inchados. Convencia-se de que tudo fora apenas sonho. Pensara morrer, mas seu instinto de sobrevivência era maior que tudo. Desligou-se completamente daquelas sensações naquela primavera. Decidiu deixar o fantasma onde fantasmas gostam de estar. E mergulhou no dia, até que encontrou alguém visível como ela, palpável e que lhe enchia de lembranças, antes mesmo de se perder na fumaça do tempo, etérea, assim como os sentimentos, a dor, o amor e a morte.

Simone Santana

4 comentários:

  1. Adorei o texto.
    Simplismente maravilhoso!
    Beijos meus

    ResponderExcluir
  2. amar é perigoso...
    que lindo post!

    ResponderExcluir
  3. Amei o texto!!!
    Ótima semana!!! bjs

    ResponderExcluir
  4. UAU....

    [...]Pois começava a duvida da sua existencia.

    ResponderExcluir