terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Deviantart
[...] Não conseguia compreender como conseguira penetrar naquilo sem ter consciência e sem o menor policiamento: eu, que confiava nos meus processos, e que dizia sempre saber de tudo quanto fazia ou dizia. A vida era lenta e eu podia comandá-la. Essa crença fácil tinha me alimentado até o momento em que, deitado ali, no meio da manhã sem sol, olhos fixos no teto claro, suportava um cigarro na mão direita e uma ausência na mão esquerda. Seria sem sentido chorar, então chorei enquanto a chuva caía porque estava tão sozinho que o melhor a ser feito era qualquer coisa sem sentido. Durante algum tempo fiz coisas antigas como chorar e sentir saudade da maneira mais humana possível: fiz coisas antigas e humanas como se elas me solucionassem. Não solucionaram. Então fui penetrando de leve numa região esverdeada em direção a qualquer coisa como uma lembrança depois da qual não haveria depois. Era talvez uma coisa tão antiga e tão humana quanto qualquer outra, mas não tentei defini-la. Deixei que o verde se espalhasse e os olhos quase fechados e os ouvidos separassem do som os pingos da chuva batendo sobre os telhados de zinco uma voz que crescia numa história contada devagar como se eu ainda fosse menino e ainda houvesse tias solteironas pelos corredores contando histórias em dias de chuva e sonhos fritos em açucar e canela e manteiga.

Caio Fernando Abreu, in: O Ovo Apunhalado. Ed. Agir

4 comentários:

  1. Não sei se foi eu ou vc que sumiu...o fato é que senti sua falta...

    abraços!

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  2. Estou ouvindo Adriana Calcanhotto nesse momento, ando pensando no Caio desde ontem quando acordei.(Ouço Adriana C. e me dá uma saldade irracional de você que foi tão bom para mim).

    Me lembro que assim que liguei o rádio ontem a primeira música que ouvi foi Palpite.. AFF odeio essa música) ela me transpõe para um passado muito real!

    -Tive um sonho com a primeira pessoa que gostei, até então não sabia como era ouvir uma música e remeter ao "outro", ler alguma coisa e se imaginar dentro, enfim foi descoberta mesmo, as coisas pareciam ter sentido(era o novo)e o Ovo tem uns trechos...

    Não sei porque escrevi tudo isso, acho que precisava contar, desabafar seilá.
    Vou levar Caio pra viagem.

    Fique Bem(continue tentando -sempre faço isso e da certo!)

    Uns Beijos..

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  3. Pulei alguns posts, ainda nao tive coragem para ler alguns. =) Bom te ter aqui, querida...

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