sexta-feira, 12 de novembro de 2010

capítulo 32 - final

Preencher cheque. Ficar chique. Ficar de qualquer jeito, tipo pijama e chinelo. Gastar uma caixa de fósforo, só acendendo por acender, vendo o jeito especial como queimar cada palito. Ler bula. Bestar. Bundar. Subir de escada. Descer a rampa. Tentar aprender gaita. Desistir logo. Pensar que um troço é uma coisa importante, depois notar que ela não vale bosta nenhuma. Mudar móveis de lugar, descobrindo uma nova casa na casa velha. Se enfeitar com papel higiênico. Passar cola na mão e depois ficar tirando fiapo encardido. Estudar e aprender de verdade o que for de verdade. Embrulhar presentes. Comer uma melancia inteirinha babando suco e caroço. Pôr a mesa. Fazer feira. Fazer de conta. Fazer as contas. Fazer bolinhas de bolo Pulmann. Fazer o diabo. Tirar a mesa. Fazer excursão de barco. Ficar enjoado de barco. Depois não. Usar o mesmo rádio-relógio na rádio esganiçada de acordar. Fumar unzinho. Fumar doizinho. Sair do ar. Cantar desafinado uma música pro outro lembrar. Passar creme. Passar pomada. Passar o tempo. Passar vergonha. Se achar o máximo. Responder na hora. Parar pra pensar. Pensar andando. Não saber responder e não inventar por isso e nada mais que isso. Pôr dedo no nó. Pôr dedo na ferida. Deixar a casquinha cair. Tirar espinha de peixe. Contar sonho. Contar pesadelo. Arrumar gaveta. Pintar parede. Envernizar cadeira. Pichar a porta da geladeira. Comer em churrascaria rodízio e ficar jiboiando a tarde inteira. Trocar pneu. Trocar bujão de gás. Olhar pras fotos dos documentos e rir delas como se ri de uma piada velha. Comer coxinha de posto de gasolina a duzentos quilômetros de casa. Tomar sal de fruta deixando fazer cócega no nariz. Plantar hera num vasinho e a coisa dar certo como espuma verde. Comprar caneca. Ouvir estômago roncar antes e depois das refeições. Entender de computador. Decifrar manual de forno de microondas. Sugerir. Brincar de mordomo e madame. De pega-pega pegando-pegando. Comprar peru pra temperar. Comentar revista de sacanagem e ficar conversando tipo “Olha que pintão!”, ou “Nossa, o que eles tão fazendo!”. Cortar cabelo. Dar & levar uma bronca. Descascar mexerica. Descascar o abacaxi (e fazer suco!). Levar jornal velho no lixo reciclável. Matar barata esmagada no ladrilho do banheiro no meio da gritaria. Conferir se as portas e as janelas estão fechadas por dentro. Usar óculos escuros. Se trancar sete dias. Cochilar no sofá. Tirar caca do nariz. Cortar unha encravada com tesourinha pequena assim. Assistir videoclipe alemão. Tirar fotografia. Gravar fita. Comprar CD. Deitar na barriga. Deitar na bunda. Congelar comida. Perder a hora. Ganhar tempo. Esperar. Esquecer. Lembrar. Sentar junto debaixo de uma árvore, levantar de pau duro e (opa-opa!) ter que sentar de novo. Tomar no mesmo copo. Comer no mesmo prato. Falar a mesma língua. Se cortar com caco de vidro e correr pro hospital. Gritar contra o vento, com o grito de um voltando pra boca do outro. Beijar de língua até doer no músculo da bochecha. Combinar. Lavar louça com reggae no último volume. Passar a mão. Apertar. Esfregar. Beliscar. Morder. Chupar...
Viver.
Quer dizer: ir morrendo o pouquinho que se morre a cada dia, sem se preocupar, sem virar um idiota, sem querer ser mais do que se é, sem querer saber o que se é antes de ser, pelo menos.
Ficar como você.
Depois ir ficando...
E ficar mais um pouco de novo...
Assinado:
Eu.

Fernando Bonassi, in: O Amor é Uma Dor Feliz. Ed. Moderna

Um comentário:

  1. Linda, linda, linda... há doçura em cada letra!
    Inspirador!
    Amei, irei ler e reler e ler...


    Beijo, moça doce!
    Continue nos alegrando com esses mimos! :}

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