sábado, 9 de janeiro de 2010

Quinto fragmento da décima terceira voz

Tanto sangue dentro do meu derramado coração, era assim? Talvez fosse, mas não se trata disso. Lamúria insuportável, o corpo, esse que se arrasta com suas carências. Não precisa pressa, calma lá. A porteira está fechada para quem quiser passar, era isso? Já te disse que não responderei.

Quero saber, e depois? Passaram-se meses, ele voltou. Foi longo. Doía. Continua doendo.

Ainda não acabou. Passa, passará. Às vezes ficávamos deitados na minha cama enquanto eu tentava decifrar o seu destino. Marte, Ossanha gostava das folhas, das pedras. De peixes também. Ele me ensinou que as pedras eram vivas. Desde então eu as mantenho imersas em copos cheios d’água, para que cresçam. São muitas. Agora espero outro. Que como ele, não será mais do que Uma Nova Metáfora do Encontro. Por enquanto espio as pombas nas cumeeiras. Quando não há música, canto. Quando paro de cantar, como maçãs. Os talos estão jogados pelo quarto, entre os lençóis. Apodrecem como meus sentimentos, jogados na via-láctea. Esfrego a lâmpada, mas o gênio se foi. Talvez me bata outra vez contra as grades da janela até me levarem para a mesa de choques.

Caio Fernando Abreu, in: Triângulo das Águas. Ed. Agir

2 comentários:

  1. PERFEITO...

    PROFUNDO!!

    TOCANTE...

    CAIO SEMPRE!!

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  2. Que coinscidencia, eu estava com este livro nas mãos ontem, e passei os olhos nesse trecho.

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