quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Fragmentos de um discurso amoroso

Abraço


O gesto do abraço amoroso parece realizar por um momento, para o sujeito, o sonho de união total com o ser amado.




Adorável


Não conseguindo nomear a especialidade do seu desejo pelo ser amado, o sujeito apaixonado chega a essa palavra um pouco tola: adorável.



Afirmação



Ao contrário de tudo e contra tudo, o sujeito afirma o amor como valor.





Angústia

O sujeito apaixonado, do sabor de uma ou outra contingência, se
deixar levar pelo medo de um perigo, de uma mágoa, de um abandono, de uma reviravolta - sentimento que ele exprime sob o nome de angústia.




Ausência

Todo episódio de linguagem que põe em cena a ausência do objeto amado - quaisquer que sejam a causa e a duração - e tende a transformar essa ausência em prova de abandono.



Chorar


Propensão particular do sujeito apaixonado a chorar: modos de aparição e função das lágrimas do sujeito.





Compreender
Ao perceber repentinamente o episódio amoroso como um nó de razões inexplicáveis e de soluções bloqueadas, o sujeito exclama: "Quero compreender (o que me acontece)!"


Coração

Essa palavra vale por todas as espécies de movimentos e desejos, mas o que é constante, é que o coração se constitui um objeto de dom - seja ignorado, seja rejeitado.



Corpo


Todo pensamento, toda emoção, todo interesse suscitado no sujeito apaixonado pelo corpo amado.




Dedicatória


Episódio de linguagem que acompanha todo presente amoroso, real ou projetado, e, ainda, mais geralmente, todo gesto, afetivo ou interior, pelo qual o sujeito dedica alguma coisa ao ser amado.



Despelado


Sensibilidade especial do sujeito apaixonado, que o torna vulnerável, à mercê das mais leves feridas.





Desrealidade


Sentimento de ausência, fuga da realidade experimentada pelo sujeito apaixonado, diante do mundo.




Errância

Apesar de que todo amor é vivido como único e que o sujeito rejeite a ideia de repeti-lo mais tarde em outro lugar, às vezes ele surpreende em si mesmo uma espécie de difusão do desejo amoroso; ele compreende então que está destinado a errar até a morte, de amor em amor.





Esconder

Figura deliberativa: o sujeito apaixonado se pergunta, não se deve declarar ao ser amado que o ama (não é uma figura de confissão), mas até que ponto deve esconder dele suas "perturbações" (as turbulências) da sua paixão: seus desejos, suas aflições, enfim, seus excessos (na linguagem raciniana: seu furor).




Escrever

Enganos profundos, debates e impasses que provocam o desejo de "exprimir" o sentimento amoroso numa criação (notadamente de escritura).




Espera


Tumulto de angústia suscitado pela espera do ser amado, no decorrer de mínimos atrasos (encontros, telefonemas, cartas, voltas).




Eu-te-amo


A figura não se refere à declaração de amor, à confissão, mas ao repetido proferimento do grito do amor.




Festa


O sujeito apaixonado vive cada encontro com o ser amado como
uma festa.





Louco



O sujeito apaixonado é atravessado pela ideia de que ele está ou está ficando louco.




Magia


Consultas mágicas, pequenos ritos secretos e ações de graça não estão ausentes da vida do sujeito apaixonado, qualquer que seja sua cultura.





Ternura

Gozo, mas também avaliação inquietante dos gestos ternos do objeto amado, na medida em que o sujeito compreende que esse privilégio não é para ele.



União




Sonho de total união com o ser amado.







Roland Barthes, in: Fragmentos de Um Discurso Amoroso. Ed. Francisco Alves. Ilustrações de Alone Gut


9 comentários:

  1. Que post mais lindo, meu anjo, é todo você.

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  2. bom, muito bom!

    e obrigado pela visita e comentário na minha gambiarra!

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  3. Eu amo, amo esse livro. E esse post tá muito lindo.
    Brigada!

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  4. Uma obra de arte - já tinha visto.

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  5. Genial.Parabéns pela iniciativa!

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  6. Lindo blog. Muitas afinidades. Muito obrigada! Parabéns!!

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  7. Êtaaa uma hora que valeu a penaaa hein?! adorei!

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  8. Sim. E quando?

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