domingo, 13 de dezembro de 2009

O menino está fora da paisagem

O menino parado no sinal de trânsito vem em minha direção e pede esmola. Eu preferia que ele não viesse. A miséria nos lembra que a desgraça existe e a morte também. Como quero esquecer a morte, prefiro não olhar o menino. Mas não me contenho e fico observando os movimentos do menino na rua. Sua paisagem é a mesma que a nossa: a esquina, os meio-fios, os postes.

Mas ele se move em outro mapa, outro diagrama. Seus pontos de referência são outros.
Como não tem nada, pode ver tudo. Vive num grande playground, onde pode brincar com tudo, desde que “de fora”. O menino de rua só pode brincar no espaço “entre” as coisas. Ele está fora do carro, fora da loja, fora do restaurante. [...]

Ele não gosta de ideias abstratas. Seu ponto de vista é o contrário do intelectual: ele não vê o conjunto nem tira conclusões históricas – só detalhes interessam. O conceito de tempo para ele é diferente do nosso. Não há segunda-feira, colégio, happy hour. Os momentos não se somam, não armazenam memórias. Só coisas “importantes”: “Está na hora do português da lanchonete despejar o lixo…” ou “estão dormindo no meu caixote…” [...]

Se não sentir fome ou dor, ele curte. Acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga pedindo dinheiro. Ele se acha normal; nós é que ficamos anormais com a sua presença. [...]

Arnaldo Jabor

4 comentários:

  1. Muito bom mesmo! tomara que o povo que fez a prova, veja as coisas de forma mais diferenciada em relação ao outro.

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  2. JENIFER,

    LINDO E IMPORTANTE TEXTO DE JABOR, COMO SEMPRE, SEU BLOG REPLETO DE LINDAS POSTAGENS, ENCANTADOR!!

    VIM DESEJAR UMA ÓTIMA SEMANA E MATAR AS SAUDADES....

    ME PASSE O SEU PERFIL NO ORKUT, TE ENCONTRO.

    UM GRANDE BEIJO,

    REGGINA MOON

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  3. Ótimo texto do Jabor. Conseguiu falar sobre a ótica que observamos os mendigos, meninos de ruas e outros marginalizados pela sociedade. Pessoas invisíveis que insiste em aparecer na nossa paisagem urbana.

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  4. Me dói, corrói a alma quando digo "NÃO" e eu nem sei qual a história de vida dele. Porque de qualquer forma ele tem uma história e não é um conto de fadas.


    Um beijo.

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