quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A lua cheia deu na cara dela

Vânia Medeiros
Hoje perdi a palavra
O contato com ela
O amor calou-me a boca.
O amor boicotou de mim
Minha própria informação
Os planos se espatifaram contra os móveis de minha própria casa
A ação, derretida manteiga,
mela o tapete (não deve ser nada sério)
apenas tenho impotentes vontades
como a de quebrar essa merda desse telefone
que está sendo pago para alvoroçar meu coração.
Pago por mim.
Eu financio essa tortura
De não ser nunca tua voz no outro lado da linha.
Que linha móvel indecifrável que me pendura
E compromete meu ser ao I Ching infame da Telerj?
Hoje perdi a palavra.
A língua me renuncia.
O amor me empanturrou a fala
Mas eu não vou me comover.
Há um ladrão que me saqueou a alma Afanou-me o senso
Atordoou-me a calma
Mas eu não vou denunciar (não deve ser nada sério)
apenas dormi acordada
e abri as portas
quando estavam sendo arrombadas.
Os danos estão à mostra
E o ladrão diz que não houve nada.
Apenas a lua me fura os olhos e eu sou derramada
Hoje perdi a palavra.
Hoje perdi o som da minha própria caligrafia,
O trabalho sensual das minhas consoantes
Adiante perdi a estrada que ia dar
Na minha própria cozinha
Na minha, estou calada (não deve ser nada sério)
Apenas o amor chegou na hora inesperada
E deparou com máscaras gelatinosas
na minha cara Bobs nos cabelos
Tranqüilizantes sobre a saga.

Elisa Lucinda, in: Hoje é peixes e afogamentos e, dizem, março, 14, 1987

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