sexta-feira, 25 de abril de 2014

A carta de amor

Sobre a mesa, está jogada displicentemente, há anos, uma carta de amor. Nunca havia recebido uma carta de amor. Encomendei uma a um escritor de cartas. Oito dias depois, recebi uma linda carta de sete páginas, escrita à mão, em versos. Tinha custado cem francos, e o homem dizia: "... sem fazer um só gesto, segui você por toda parte..."

Sophie Calle, in: Histórias Reais / Tradução Hortensia Santos Lencastre. Ed. Agir

quarta-feira, 16 de abril de 2014

profissão de febre - trecho /

Betania Zacarias
[...]
chove de novo,
de novo, chovo,
assobio no vento,
daqui me vejo,
lá vou eu,
gesto no movimento

Paulo Leminski, in: La vie en close / Toda Poesia. Ed. Companhia das Letras

quarta-feira, 2 de abril de 2014

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by worteinbildern
Na palma de minha mão
cabem os esguichos daquele emaranhado mar
ofegante

esfiam-se cachos de búzios nas bordas
tacteando uma pandemia de linhos a puxarem-se
temperamentalmente
do bico pontiagudo das aves a moer
o céu pálido da boca
amedrontava num arrepio arenoso

embora fosse embarcar nas ocas águas
sem os antepassados existirem
decidi riscar
o fundo que não estava destinado
à visita de grandes visões

e apaguei os declinados olhos migrantes
até esgaçar o ódio que restava
no punho carregado de sal aberto

é notável defesa redescobrir o exílio lânguido
quando se move
uma traça míope antes da sua nascença fétida
donde vejo
redentor sorriso a caber-me

Filipe Marinheiro, in: Silêncios. Ed. Chiado