sexta-feira, 22 de março de 2013

quarta-feira, 20 de março de 2013

In Memoriam

Mariya Kozhanova
Sugiro que Wislawa
tenha fumado no hospital
e dito – daria tudo
por um  café, e alguém
com uma almofada apoiaria
sua cabeça,  e ela
 pensaria  em dizer
que não perdeu ainda a cabeça,
mas não  diria, não era
preciso, e ela, sorrindo,
 sabia  desde  o começo,
o algodão do estofo da cama
o soro, os aparelhos,
 ao rés da música abrindo
lá fora alguns pássaros
na alva da janela,
olharia a relva sem olhar
para trás, para os civis
(apenas pra moça de xale
que alimentava as pombas)
sentava num banco, elegante,
esperava, esperava
e tomava seu café
como quem abraça um amigo.

Raul Macedo

BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO

Bradley Walker Tomlin
Sempre o menor ato

possível
neste tempo de atos

maiores que a vida, um gesto
com o que passa

apenas sem ser visto. Um vento parco

perturbando uma fogueira, por exemplo,
que encontrei outro dia
acidentalmente

na parede de um museu. Apenas
nada: alguns retalhos
de branco

lançados ao acaso contra o negro rotundo
do fundo, somente
um gesto parco
tentando não ser

mais do que é. E mesmo assim,
não está aqui
e a meus olhos jamais será questão
de tentar

simplificar o mundo
mas uma maneira de buscar um lugar
pelo qual entrar no mundo, uma forma de estar
presente
entre as coisas
que não nos querem - mas que necessitamos
na medida em que nós necessitamos
de nós mesmos. Faz apenas um instante
que a bela
mulher
que estava junto a mim
me havia confessado o quanto desejava
um filho
e como o tempo
começava a lhe faltar. Resolvemos
escrever cada qual um poema
usando as palavras "um vento
parco

perturbando uma fogueira". Desde então
nada

tem significado tanto como o pequeno
ato
presente nestas palavras, o ato
de tentar dizer

palavras

que apenas dizem nada. Até o final
quero igualar-me

a quanto o olhar

me traga, como se
no fim pudesse me ver

liberto
nas coisas
quase invisíveis

que nos conduzem junto a nós e todos
os filhos não nascidos

no mundo.

Paul Auster
(Ao olhar um quadro de Bradley Walker Tomlin) / Tradução de Raul Macedo

Talvez um poema...

A Dupla Vida de Véronique
"Trouxeste a chave?"
Carlos Drummond de Andrade



Talvez um poema seja isto
uma porta escancarada para tudo
onde o nada nos aguarda sem ser visto

Talvez como uma pétala caída
de uma flor regada à ausência

Talvez como um amor sem violência
e a morte sem ser morte desejada

Talvez seja o que não é palavra
mas é palavra na espera de ser vida

Talvez a desvelada anarquia
de teus olhos segredando rupturas
da linguagem no olhar da fechadura.

Raul Macedo

Camafeu

A Liberdade é Azul
"But Silence is Infinity.
Himself has not a face."
 
Emily Dickinson

O tempo é lento; são as horas
como um rio derramado
pela foz alheia do espaço,
de alguma seca convenção.

Tange os contornos da ausência,
quando o silêncio nos desata
sua epiderme, seu semblante
que nos percorre, arde e deixa

um rosto aceso - interminável.

Raul Macedo

terça-feira, 19 de março de 2013

Gulliver

Katia Chausheva
Sobre seu corpo as nuvens passam
Altas, altas e geladas
E um tanto finas, como se

Flutuassem num vidro invisível.
Diferentes dos cisnes,
Não têm reflexos;

Diferentes de você,
Sem cordas para te prender.
Tudo bem, tudo azul. Diferentes de você -

Você aí, de costas,
Olhos grudados no céu.
Os homens-aranhas te pegaram,

Lançando e enrolando suas fragéis algemas,
Suas seduções -
Tantas sedas.

Como eles te odeiam.
Eles conversam no vale dos seus dedos, minúsculos vermes.
Fariam você dormir em seus armários,

Este dedo e aquele, uma relíquia.
Cai fora!
Cai fora, sete-léguas, como aquelas distâncias

Que se movem num Crivelli, intocáveis.
Deixe que este olho vire águia,
A sombra de seu lábio, um abismo.

Sylvia Plath, in: Ariel. Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo. Ed. Versus

quinta-feira, 14 de março de 2013

Feliz dia, poetas e leitores da nossa poesia cotidiana =)

Imagem: Só dez por cento é mentira, desbiografia do poeta Manoel de Barros, 2008. Direção de Pedro Cezar.

domingo, 10 de março de 2013

.

RozArt
balanços em que não brinquei
me levam
a uma viagem no vento
sem medo agora

já não é tempo mas
resgatam-me

Nydia Bonetti

segunda-feira, 4 de março de 2013

7.

Martha Barros
Meu irmão veio correndo mostrar um brinquedo que
inventara com palavras. Era assim:
Besouros não trepam no abstrato.

Manoel de Barros, in: Livro Sobre Nada. Ed. Record