terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

5.

Ana Ventura
Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

Manoel de Barros, in: Livro Sobre Nada. Ed. Record

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

3.

Ana Ventura
Não é por me gavar
mas eu não tenho esplendor.
Sou referente pra ferrugem
mais do que referente pra fulgor.
Trabalho arduamente para fazer o que é desnecessário.
O que presta não tem confirmação,
o que não presta, tem.
Não serei mais um pobre diabo que sofre de nobrezas.
Só as coisas rasteiras me celestam.
Eu tenho cacoete pra vadio.
As violetas me imensam.

Manoel de Barros, in: Livro Sobre Nada. Ed. Record

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

***

Christian Coigny
Agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cidade
e qualquer gesto é o fim
do seu início;

Agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.

Você não tem que me dizer
o número de mundo desde mundo
não tem que me mostrar
a outra face
face ao fim de tudo:

só tem que me dizer
o nome da república do fundo
o sim do fim
do fim de tudo
e o tem do tempo vindo;

não tem que me mostrar
a outra mesma face ao outro mundo
não se fala, não é permitido:
mudar de ideia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos.
está vetado qualquer movimento.

Torquato Neto, in: 26 Poetas Hoje. Org. Heloísa Buarque Hollanda. Ed. Aeroplano

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

.

Jessica Celebre
volto a mergulhar no meu jardim
que os jardins onde andei
não me comportam
rosas estéreis metálicas frias
carnívora flor
do vazio

Nydia Bonetti

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Gestos

Ian Francis
para Jiddu Saldanha

O que vem de dentro
pudera nunca se exprimir
palavra
O que vem de dentro
é ouro
puro silêncio
pudera nunca se exprimir
mundo
O que vem de dentro
é tudo
só se pode exprimir
mudo

Tanussi Cardoso

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Frederico e os duendes

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
O que cair no chão
invade o ringue
: salteia, rodopia
feito alho na frigideira
meu coração
quando esparrama
mata bactérias
meu coração fungicida
ontem soube que o Lorca
que a tradição do Lorca
falava em duendes, depois
NY o deixou doente.
Não foi suficiente
para a poesia moderna
nascer & nem morrer.
Eu continuo, prefiro
riscar a cisma
sou tão domada
arisco é o ceú
nesse quente-esfria
entre todas as probabilidades
não sou de mais ninguém.

Júlia Hansen