sábado, 30 de julho de 2011

filigrana

cavo
assim meu peito
grave
assim meu pranto
tosco
assim meu verso
turvo
assim meu sentir
mudo

: sempre.

Márcia Maia

sexta-feira, 29 de julho de 2011

"o céu sem começo nem fim..."

Tudo o mais é a espera, debaixo deste céu descampado.

Antônio Torres, in: Essa Terra. Ed. Record

A Maria Adelaide Amaral

Sampa, 4 de março de 1987.

Levíssima, saudade,
aí vai a missiva de Ms Dip. Aproveito para mandar junto uma foto que o Juvenal Pereira tirou de nosotros naquela festa do Raul Cortez. No momento exato em que líamos a mão de Gisela Arantes. Achei engraçada. Você parece estar dizendo qualquer coisa como “Olha, minha filha, falando franco, vai ser muito difícil”, e eu (com meu encantador — e falso — ascendente Libra) suavizando assim “Mas tem uma linha tão simpática aqui no monte da Lua.” Gisela está absolutamente hipnotizada com as nossas profecias.

Também não ando muito animado. Mas voltei a escrever, ou pelo menos a mexer nas gavetas, nos papéis, nos fantasmas. Ando muito só, um tanto assustado, e com a esquisita sensação de que tudo acabou. Ou pelo menos está se transformando — e radicalmente — em outra coisa. E tão vago, não sei sequer dizer do que se trata.

Ah, esta é minha estonteante Praxis 20 — um presente que me dei (pelo menos pralguma coisa aquele Estadão tem que servir, não é, benhê?). Ela ainda não tem nome, aceito sugestões. Mas tem que ser algo na linha eletrônico-cibernéticopós-pós: ela é toda dark, com luzinhas, zumbidos e ares concretistas.
Saudade, again. Y besos muy calientes. Seu,

Caio F

Caio Fernando Abreu, in: Cartas. Org. de Italo Moriconi. Ed. Aeroplano

quinta-feira, 28 de julho de 2011

XXXVI

Lilya Corneli
não perguntes por que toco o teu rosto
só com a ponta dos dedos.

deixa-me redesenhar as linhas da expressão
que perdeste

quando o sol descarrilhou de ti.

não perguntes por que falo baixo, como se
um ninho

— esta boca em que ainda canta um sem fim
de enxadas e hélices —

respirasse no interior do candeeiro.

és tão próximo, tão nu,

que só sei te amar ao modo de quem limpa
um corpo

a ser velado.

Marceli Andresa Becker, in: Do Meu Caderno de Experimentações

quarta-feira, 27 de julho de 2011

"Tristeza não tem fim. Felicidade sim..."


[...] Bem cedo vi que sou daqueles que sofrem muito mais com o sofrimento do que se alegram com as alegrias, e tentei criar mecanismos de controle. Sou um triste, no fundo.

Marcelo Backes, in: Três Traidores e Uns Outros. Ed. Record

terça-feira, 26 de julho de 2011

... o tempo é o mesmo, presente.


Só o cerne da experiência, aquilo que doeu de verdade, foi, é e continuará sendo igual, sempre igual. O que verdadeiramente importa, no fundo, é apenas o momento que um outro chamou de epifania, certa vez, e que a gente revive na lembrança como se estivesse acontecendo agora, pouco importando a idade que se tinha no passado dos fatos.

Marcelo Backes, in: Três Traidores e Uns Outros. Ed. Record

Peso

Quando você está longe
Me arrebata uma incômoda sensação
De dormir apenas com um lençol
Sendo que eu não consigo dormir
Sem uma colcha, algo que faça um certo peso.
Meu corpo não vai descansar
Vou acordar cansado, oprimido
Pelo peso do lençol.

Mauricio Vieira

segunda-feira, 25 de julho de 2011

II

O avesso é perto, alguns milímetros para o interno romper e o externo perfurar, alguns segundos para saber os dois lados de uma mesma coisa, por mais que o lado oculto tenha silenciado por muito tempo icebergs — são indiferentes para as aves, o céu é um segundo horizonte, um dia para o vento desviar a ave contra as rochas e a ave cair no mar (superficialmente vazio — profundamente misterioso) atravessando a cor primária.

Camila Vardarac

sábado, 23 de julho de 2011

Recomeço

Não é preciso agendar, entrar em fila, contar com a sorte, acordar cedo para pegar senha: a possibilidade de recomeço está disponível o tempo todo, na maior parte dos casos. Não tem mistério, ela vem embrulhada com o papel bonito de cada instante novo, essa página em branco que olha pra gente sem ter a mínima ideia do que escolheremos escrever nas suas linhas.

O que é preciso mesmo é ter coragem para abrir o presente.

Ana Jácomo

esperas . . .


enquanto:


uma ponte feita de tempo
que leva a espera ao encontro.

Ana Jácomo

versos de circunstância

Alaya Gadeh
dei de amanhecer com as mãos
repletas de espinhos
floridos

e os olhos ardidos de auroras
vazios de palavras
vazias.

Márcia Maia

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Ela não consegue definir muito bem o seu sentimento,

não sente ódio, nem repugnância, então talvez se trate de desejo. Não sabe de nada. Consentiu em ir ao apartamento na noite anterior. Está onde precisa estar. [...] Ele está trêmulo. Olha para ela como se esperasse ouvi-la dizer alguma coisa, mas a moça não fala. Então ele também fica imóvel, não a despe, diz que a ama como louco, depois fica calado. Ela não responde. Poderia dizer que o ama. Não diz nada. Subitamente, compreende, num momento, que ele não a conhece, que não a conhecerá jamais. Mesmo com tantos subterfúgios para compreendê-la, jamais conseguirá. A ela compete saber. Ela sabe. [...] Ele diz que está sozinho, terrivelmente sozinho com esse amor. Ela responde que também está sozinha. Não diz com o quê. [...] E chorando realiza o ato. A princípio, a dor. E depois a dor se transforma, é arrancada lentamente, transportada para o prazer, abraçada pelo prazer.

Marguerite Duras, in: O Amante. Ed. Nova Fronteira

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Encantado silêncio

Entre estrelas
entre algas
entre brancos lençóis
e paredes brancas.
Vermelha viagem da vida nas veias.
Instante que precede ao nascimento,
também à morte.
A morte é um silêncio suspenso.
... E o sol, um silêncio vermelho.
Nuvens em seu passeio,
diante da janela deste apartamento.
Tem uma sinfonia em tons vários,
que gritam — silêncio!
Silencio. Branca, como estrelas e algas.
Passeio brancas areias de Maputo,
olhando ao redor em busca de Mia Couto...
Ansiando que ele me ensine a estrondar
o encanto.

Bárbara Lia
Margem do rio São Francisco
Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens.

João Guimarães Rosa

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Lilya Corneli
[...] Incrível como a gente não muda, por mais que mude de lugar. O aqui dentro não muda nem um pouco só porque o lá fora muda.
Coisas de casca e semente, de substância e superfície.

Lá longe ou aqui perto, tudo continua igual, sempre igual, no fundo. E quando nos deslocamos ao passado na lembrança pra trazer suas horas decisivas ao presente é que isso fica ainda mais claro, mais claro do que nunca, e tudo parece estar acontecendo aqui e agora, mais uma vez.

Marcelo Backes, in: Três Traidores e Uns Outros. Ed. Record

terça-feira, 19 de julho de 2011

Pingos nos ii


Tão econômica quanto ele. Escreveu-lhe nas entrelinhas e ele leu-a em meias palavras. Bastaram-se.

Tânia Diniz

rabisco

o amor que tenho
é só um desenho
esboço mal feito
de uma paixão
recolhida.

Líria Porto

miragem

Lilya Corneli
não hás de ter-te em mim
mais que o deserto
areias brancas longuíssimas
plenas em vento
faltas em mar

(e eu que sou de mar?)

: ardentes belas silencio
sas e irreais.

Márcia Maia

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Relógio:

1. caixa metálica, plástica ou de madeira onde se esconde o tempo; 2. boi-da-cara preta dos assalariados; 3. Adolf Hitler dos apaixonados; 4. se sozinho, uma certeza. 5. se em grupo, várias dúvidas; 6. salão de baile dos ponteiros; 7. garoto propaganda da Suiça; 8. se digital, beijo técnico; 9. conglomerado mundial que fabrica horas, minutos e segundos; 10. a casa dos cucos; 11. banda musical que só compôs a música Tic-Tac; 12. na biologia, animal que se alimenta de futuro, em mínimas porções; 13. pequeno ditador que aprisiona sonhos; 14. rede mundial de vigilância criada pela Associação Internacional dos Chefes; 15. guru da seita Coelho de Alice; 16. indivíduo bipolar que corre muito quando não se quer e rasteja lentamente quando não se precisa; 17. se parado, o tempo empalhado. (Ex.: "No meu relógio, amor, os ponteiros decidiram fazer greve por tempo indeterminado, para que possamos dançar e dançar e dançar enquanto a vida sussurra para o mundo inteiro a nossa música e a noite dorme até mais tarde e decreta feriado no planeta".)

André Gonçalves, in: Coisas de Amor Largadas na Noite. Ed. Ideias Inc.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Querid@s leitores . . .

O blog ficará desativado por uns dias. Ou semanas... Não sei ainda.
Motivo: meu computador deu um "pire-paque".

Até que tudo se ajeite ficarei sem atualizar, cheia de saudadinhas, sem poder fazer visitas e responder aos comentários.
Mas continuem visitando o Reino - me alegra muito :)
Beijos e até mais (assim espero!)

Felicidade Clandestina

sábado, 9 de julho de 2011

Vânia Medeiros
não sei verbalizar
o abismo

sei cair
dentro dele
como dois olhos que eu avisto e temo

e o chão se demora -
amor -
a tocar meus pés.

Mariana Botelho

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Blue Valentine
O tempo não passa, o relógio ancestral diz que já são onze e meia com seu toque peculiar. As comichões pararam. Tenho medo de me mexer e fazer que elas voltem. Fixo o teto e sinto meus olhos se esbugalharem, vejo tudo duplo, e me afundo no cansaço sem sono do desespero. O que vai ser de mim?
Não tenho mais nada a perder depois de ter perdido o que era tudo pra mim.

Como vou poder seguir adiante, se não consigo mais andar sozinho?

Marcelo Backes, in: Três Traidores e Uns Outros. Ed. Record

terça-feira, 5 de julho de 2011

I - A perda

Quando passo às vezes por aquela esquina, espio sempre a outra rua por trás da igreja. E mesmo sem querer, sem perceber claro o que sinto, lembro daquela tarde em que fui visitá-lo pela última vez, depois voltei caminhando pela rua cheia de árvores tão altas que suas copas se encontram e se misturam no alto, como num túnel redondo, irregular, a pensar coisas que nem lembro mais.

Quando passo por lá assim rapidamente, numa tarde como a de ontem ou outras iguais destes tantos meses passados, penso se não deveria retomá-la — essa rua, essa caminhada, mas sem ele agora — uma tarde, noite ou manhã quaisquer para refazer o percurso inverso até a casa dele, onde nem mora mais. E parado naquela esquina feito espião, contemplar a sacada daquele décimo andar onde costumávamos nos debruçar abraçados para olhar aquela rua lá embaixo sendo aos poucos coberta pelas sombras da tarde furando a copa-túnel das árvores. As sombras que crescem devagar sobre o asfalto quente do verão passado. As sombras, enfim.

Caio Fernando Abreu, in: do conto Metâmeros / Ovelhas Negras. Ed. L&PM

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Lilya Corneli

Saudades de saudades que não tenho...
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...

Florbela Espanca, in: Sonetos. Ed. Martin Claret

domingo, 3 de julho de 2011

Briza

Essas horas andam carregadas de vazias esperas... que pesam tanto. Vejo daqui, ao pé da porta, se arrastarem lentas. Só aqui dentro é que tudo insiste em ficar. Eu que sonhei com campos de algodão. Acordo entre mofos. E tenho medo.

Casa abandonada, lençóis brancos en-cobrindo o que ficou... para proteger? Para postergar?

O tempo marcado em minha pele morta... é só essa poeira pela casa repleta de tantas falsas impressões. Não há saudade aqui. Só muitos, eu pensei que. E senti tanto.
Vejo as horas dobrarem a esquina, partindo o dia ao meio. Sem dizer adeus. Arrastando o tempo em chão de cascalho. É tarde. E sangra.
Meus olhos feito ampulheta... escorrem. Choram os segundos desperdiçados. Não os que vivi. Mas estes agora, em que não consigo ir. Tempo começa a go-te-jar lá fora. E decidi abrir as janelas e portas. Não quero ficar seca, jamais.
O céu me olha azul... eu girando em grama verde. Sol enlaçando de-va-gar espessas nuvens. Enrubrecendo-as num abraço. Coisa de quem quer segurar o coração dentro do peito... E tamanho esforço esquenta e avermelha a face... e os olhos transpiram. O dia finda assim, nesse abraço que acende estrelas. É noite clara, repleta de lucidez.
Amanheci pintando de amar-elo essas paredes. Estradinha de chão, pés descalços. Cerca verde e viva. Redes na varanda. Desabrocham em vermelho, rosas. Girassóis. Pé de amora. Cheiro de vida, hortelã, manjericão e canela. Vista para o mar. Fica em campos de algodão. E eu estou indo te buscar, meninamarela. Porque ainda ontem escutei e hoje se faz eco: "solidão é campo vasto que não se deve atravessar sozinho". Hoje eu só quero caminhar contigo.

Cecília Braga

sábado, 2 de julho de 2011

Dissolução

Lilya Corneli
Muitas vezes morri nos sábados.
A morte mais dorida, a sós, à caída do sol.

Era simples e infeliz.
Era jovem e já sangrava.

Onde eu estava? Em mim.
E então perdi-me...

Agora nem o espelho me devolve.
Fui-me — como no céu as nuvens...

Mayrant Gallo, in: Recordações de Andar Exausto. Ed. Aboio Livre

Como se eu mesma passasse adiante da testa

Lilya Corneli
Para Daniel Faria

1

como se eu mesma passasse adiante da testa,

da nudez da pele, como se contra o meu rosto rompesse o último rosto do coração.


2

andas em pé na calçada que dá para a esquina

em que ainda espero

em que ainda paras.

como se tu continuasses em ti.

como se todo este tempo tu fosses a borda de que estou prestes a despencar.

(deixa-te vires, ao menos hoje, livre de costas para virar.)


3

uma distância de mim te arremessa para o meu olho mais fundo.

não tenho braços para te erguer.

não tenho cordas para subires na voz que diz teu nome fora do meu.


4

tarde da noite?

sonho que tu me caminhas ainda.

que tu regressas.


5

que tu me trazes de volta o corpo para que eu possa morrer.

Marceli Andresa Becker

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Maria Clara Cacaia Jorge

Sampa, 1º de julho de 1982

Maria Clara,
você se foi e eu afundei numa melancolia de dar gosto, não sei se tem alguma relação, mas acho que sim, porque gostei muito que você tivesse vindo, deu vontade de ficar mais tempo, deu vontade de levar essa história até o fim - e eu não tenho a menor ideia do que você pensa a respeito, a gente não conversa sobre isso, só fica fazendo uma linha nada-tem-muita-importância, ou algo assim.

Passei dois dias praticamente na cama, na segunda à noite saí só para o tal jantar da Ana Maria, já tinha convidado 100 mil vezes, mais um bolo seria a suprema falta de educação. Mas eu não tinha nada pra dizer, e não tava também a fim de ouvir nada. Ficou no ar aquela coisa da felicidade-obrigatória, tudo muito estridente, exaustivo. Realmente não tenho paciência mais pras pessoas, ou não quero ter. Ontem, graças a Deus, o Rubens transferiu o outro jantar com a romancista cearense, e eu acabei ficando o dia todo jogado - não consegui sequer ir à aula do Viola. Li a Ópera do sabão que a Marília tinha trazido, e é correto e engraçado, mas só, vi um filme na televisão, liguei pra Sônia pedindo um help, sem entender muito o que está se passando. Hoje consegui acordar um pouco mais cedo, ainda é de manhã e vou tentar agitar um dentista à tarde, uma passada na Magliani pra entregar um recado de Tina Presser, talvez me enfie num cinema pra ver O homem elefante, depois passo na Rodoviária pra ver se encontraram seus documentos.

Um desânimo. Uma lerdeza. Um oco. Aquela velha sensação de estar jogando fora a vida, tão antiga e familiar que nem chega a ser assustadora. É horrivelmente conhecida. Claro que vai passar, também porque não tem nenhuma razão específica. Um diagnóstico diria algo como "fadiga generalizada", em todos os níveis.

A história com San Martin está resolvida. Orlando me chamou segunda à noite pra dizer que não tava a fim dele aqui dentro. Ontem ele ligou e eu passei o recado. Orlando tá estranho. Tive ontem uma forte vontade de passar uns dias em Porto Alegre. Vacilei. Até o dia 10 estou duríssimo. Além disso, teria que explicar a Nair a razão dessa folga - até agora não disse nada sobre a demissão. Sei lá. Deixa rolar.

Fiquei preocupado com o seu assalto. Segunda à noite dona Líria, e empregada, também foi assaltada. Levaram absolutamente tudo. Fiz umas histórias, contei a Sônia.

Achei você diferente. Primeiro você parecia muito triste, depois passei a achar que estava era um pouco séria, e depois ainda que estava meio distante.
Ou cansada.

Na Bandeirantes, Alceu Valença está cantando um negócio muito engraçado, chamado Fé na perua. Agora entrou Elza Maria - céus! Não sei se vou pra MPB, teria que batalhar favores, detesto. Além disso não tenho impulso.

Não consigo escrever, não tenho tentado. Fico me enganando. Tenho pensando umas coisas muito cruéis a respeito. Sempre pensei que literatura justificava minha vida. Começo a perceber que. Não sei que começo a perceber. Tenho medo de não escrever nunca mais. Escorregar cada vez mais fundo nesse esvaziamento.
Deixa pra lá.

Quase meio-dia, vou tomar banho e me vestir para as produções vespertinas. Tenho que ficar à tarde toda fora porque querem pintar por dentro a janela do meu quarto. Mudou a cor da frente. Orlando pediu também que retirassem o carpete da sala. Com tudo isso, há quase duas semanas a casa foi invadida e não consigo trabalhar em paz. Aliás, não consigo trabalhar. Está uma quarta-feira de Xangô muito bonita, cheia de sol.

Carta queixosa, depressiva. 50% é astral de gripe. A outra metade não importa muito. Pela primeira vez penso que é péssimo estar assim desocupado o dia inteiro. Bobagem.

Um beijo.
Me queira bem.
Te quero bem.

Caio

Caio Fernando Abreu, in: Caio 3 D - O Essencial da Década de 1980. Ed. Agir